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Paulo Paiva

Professor associado da Fundação Dom Cabral, Paulo Paiva escreve às sextas-feiras

OPINIÃO

Tímidos ajustes

No Brasil, no âmbito da política macroeconômica, dois fantasmas tiram o sono do presidente

Por Paulo Paiva
Publicado em 27 de dezembro de 2024 | 06:00

Governantes não gostam de tomar medidas consideradas impopulares, mesmo quando necessárias, cujos resultados positivos somente serão percebidos tempos depois. Essa resistência é maior se o “príncipe” se sente inseguro com sua popularidade ou se, ao contrário, tem uma excessiva autoconfiança. Em geral, para os governantes, o que acontece de bom resulta de suas ações, e o que é ruim vem de fora, quer de acidentes naturais, quer de eventos ocorridos no exterior; quer ainda, por culpa de alguém que joga contra. Nunca a responsabilidade é de seu governo.

No Brasil, no âmbito da política macroeconômica, dois fantasmas tiram o sono do presidente. A inflação, que corrói o poder aquisitivo das famílias, e o controle fiscal, que lhe exige reduzir gastos. Ambos clamam por austeridade e medidas impopulares.
A sabedoria política, vulgarizada em citação a Maquiavel, recomenda que, logo no início do governo, se façam as maldades e que as bondades sejam distribuídas ao longo do mandato.

Lula III não seguiu esse princípio. O Congresso lhe entregou a Emenda Constitucional 126, que permitiu ao novo governo deixar R$ 145 bilhões fora do teto de gastos para bancar aumento em Bolsa Família, Farmácia Popular, Auxílio Gás, entre outros programas. A PEC da Bondade foi relatada pelo senador Alexandre Silveira, hoje seu ministro.

O arcabouço fiscal nasceu com um pecado original: haverá sempre uma porta aberta para empurrar gastos para fora do limite do teto. Mas, mesmo excluídos da regra fiscal, os gastos afetam o resultado orçamentário. O governo não respeita hoje o limite que ele próprio criou. Terminará a metade de seu mandato sem respeitar suas próprias metas fiscais.

Mesmo com a Selic em dois dígitos, a inflação, que persiste alta, segundo estimativas do relatório Focus, continuará acima da meta ao longo de 2025. Triste é o governo que não cumpre suas metas macroeconômicas. Feliz é a taxa de câmbio que continua livre, leve e solta.

Às vésperas do Natal, Lula III ganhou do Congresso um arremedo de corte de gastos, oferecendo tímidos ajustes, insuficientes para a geração de superávit em 2025 e que não atacam as causas principais da gastança pública. O ministro da Fazenda já anuncia novos ajustes. O tempo urge para sua ação. A partir de julho do próximo ano, a agenda política será comandada pelas eleições de 2026, e, do governo, só bondades serão esperadas.

Na economia, o governo vive uma profunda crise de confiança. Os agentes privados lhe cobram ousadia nas medidas de ajuste fiscal e lhe ameaçam com o fantasma da inflação. No entanto, na população, segundo pesquisas de opinião pública, considerando a margem de erro, o presidente se equilibra em 50% de aprovação. Lula deveria refletir sobre o ensinamento de Maquiavel: “Aqueles que lhe abrem as portas serão os mesmo que as fecharão”.