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'BH não é tão violenta quanto o Rio'. Qual é o erro da afirmação?

Observatório das Metrópoles nas eleições: um outro futuro é possivel

Por Juliana Luquez
Atualizado em 16 de maio de 2024 | 13:57

Como carioca recém integrada à sociabilidade mineira e ao cotidiano da metrópole belo-horizontina, lembro-me de ser provocada sobre como estava sendo essa transição. Os anfitriões costumavam perguntar: “está gostando de Belo Horizonte?”. Os conterrâneos e familiares, proficientes no roteiro caótico que guiou toda a minha experiência urbana, logo afirmavam: “BH não é tão violenta quanto o Rio”, esperando uma imediata e indubitável confirmação da sentença.

Quero aproveitar o artigo  para refletir o equívoco da afirmação, não esperando que o leitor concorde com as ideias, mas acomodando-as no contexto da construção de uma agenda para a gestão das cidades e não em defesa de um ponto de vista. 

“BH não é tão violenta quanto o Rio”, concluirá o cidadão a partir de uma simples leitura de conjuntura fornecida por diversas mídias ou se lançando em uma cuidadosa comparação de dados sobre um dos indicadores que compõem o quadro violento do Brasil: homicídio.  

A mais recente edição do Atlas da Violência (2023), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e as análises do Monitor da Violência, compilado organizado por um portal de notícias de um grupo de comunicação brasileiro, ambos em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apresentaram dados relevantes sobre a situação da violência no país, especialmente quando considera-se o número de mortes por Unidade Federativa (UF), a cada 100 mil habitantes.

O Estado mineiro não figura no topo da lista das UF com mais homicídios; Belo Horizonte não aparece na lista das 50 cidades mais violentas e, na lista das capitais, está no 23º lugar, no ranking de 27. Fato atribuído, dentre outras hipóteses, a menor letalidade da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Ufa! 

Alívio?

Devemos mesmo suspirar aliviados? A PMMG é uma das instituições de Estado menos letal do Brasil, então, tal constatação contempla toda a complexidade do debate sobre segurança pública? Se o alívio é pelo fato de a polícia mineira ser menos letal, significa que se aceita um certo nível de letalidade de operações militares em ambientes civis e de intensa atividade urbana. Preocupante. Saber que as forças de segurança atuam com menor letalidade nos espaços urbanos é suficiente para que as cidades com esse privilégio sejam consideradas menos violentas? 

A aproximação desses campos da vida pública, como segurança e gestão urbana, vem sendo muito promissor aos Estudos Urbanos e ao debate sobre modelos de governança. Profissionais e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, sobretudo, os que se ocupam da agenda urbana brasileira, e diversos grupos sociais que atuam na denúncia e reivindicação do controle da atividade militar na organização civil vêm produzindo pesquisas que apontam para uma tendência: por cidades cada vez mais seguras, opta-se cada vez mais pela polícia (com gastos públicos consideráveis), tensiona-se os interesses civis e militares nos ambientes de sociabilidade e construção política, acostuma-se com a ostensiva presença e repressão militar como sinal de escolta e vigilância, reconhece-se como legítima e sem qualquer constrangimento ético a abordagem pela ordem e pelo controle de corpos, ideias, costumes, atitudes suspeitas.

Militarização da experiência urbana

Estamos diante de um processo de militarização da experiência urbana frente ao incontestável espalhamento do medo. E essa tendência também se manifesta em Belo Horizonte. 

A afirmação que assumo é “BH é violenta como qualquer cidade brasileira”. Pois o que a torna brutal é o próprio processo de urbanização: extorsões, privações, desigualdades, hostilidades, oportunidades frustradas, profunda segregação. Ao buscar militarizar a experiência urbana, acrescenta-se mais uma camada de violência na vida social – com agravo étnico-racial e de gênero. Apesar dos dados mais favoráveis no quadro geral, o Estado mineiro apresentou elevação nos números de assassinatos em relação aos anos anteriores mesmo com a crescente presença militar na vida civil.  

Reduzir a segurança pública à militarização é, em parte, renunciar às condições de planejar e gerir as cidades com ênfase em experiências democráticas e que dialogue com a diferença. 

(*) Juliana Luquez é docente do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG Pesquisadora do Núcleo RMBH do Observatório das Metrópole