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MUDANÇA

Parlamentarismo envergonhado

O Brasil que Lula encontrou ao chegar ao Planalto em 2023 é muito diferente daquele país visto do terceiro andar do Planalto em 2003

Por Marcio Coimbra
Publicado em 18 de dezembro de 2024 | 06:00

O Brasil que Lula encontrou ao chegar ao Planalto em 2023 é muito diferente daquele país visto do terceiro andar do Planalto em 2003. Mais do que isso, a relação do governo com o Parlamento mudou consideravelmente. O Congresso Nacional acumulou poderes que mudaram de forma profunda o equilíbrio de forças dentro da política, tornando a tarefa de governar algo muito diferente de duas décadas atrás.

Ao longo dos anos, o Congresso Nacional se apropriou do Orçamento federal, criando uma espécie de independência em relação ao governo. Se no ado os parlamentares dependiam dos ministros para liberação de emendas, o jogo, hoje, mudou. Agora, nesta nova configuração, os congressistas têm parcelas significativas das verbas federais em suas mãos, dependendo única e exclusivamente de seu relacionamento legislativo e, especialmente, de um bom trânsito com os comandantes da Câmara e do Senado.

Essa mudança atingiu a dinâmica do presidencialismo de coalizão em sua essência, ou seja, a barganha entre parlamentares e governo. A troca de emendas por apoio perdeu seu apelo, algo que tornou os congressistas mais independentes e autônomos. O presidente da Câmara, até então líder dos parlamentares, agora divide poder com o Planalto, como uma espécie de primeiro-ministro informal, controlando o destino de recursos e a agenda de votações.

Fato é que o Brasil caminhou, desde a gestão de Eduardo Cunha, a os largos na direção de um modelo que flerta claramente com uma espécie de parlamentarismo, consolidando-se nesse caminho na gestão Rodrigo Maia e aprofundando de forma definitiva esse processo nos anos de Arthur Lira no comando da Câmara dos Deputados. Se no início era o Orçamento impositivo, depois surgiram as emendas de relator, as famosas “RP9”, e finalmente a consolidação do poder nas mãos dos parlamentares. O resultado foi a menor taxa de renovação da história do Congresso em 2022.

Na verdade, ao fim e ao cabo, as mudanças realizadas pelo Congresso Nacional desde 2015 sepultaram aos poucos o presidencialismo de coalizão, tornando o Brasil um país que tem um sistema presidencialista apenas em sentido formal. Isso significa que, na prática, atualmente, vivemos um semipresidencialismo, no qual o presidente partilha o Poder Executivo com um primeiro-ministro e um conselho de ministros, sendo os dois últimos responsáveis perante o Poder Legislativo.

A distorção gerada por esse sistema criou uma espécie de chefe de Governo no comando da Câmara dos Deputados que não tem qualquer responsabilidade sobre as ações ou os resultados de gestão governamental. Do outro lado, sem mecanismos reais de poder, acabamos com governos fracos, sem força de negociação, responsáveis em última instância pelos resultados da istração.

Diante da manutenção desse modelo, talvez seja o momento de discutirmos a introdução real de um sistema parlamentar, deixando com o Congresso Nacional, além do seu poder tradicional, a responsabilidade de arcar com os desgastes de governar; afinal de contas, em 1988 o legislador optou por um texto constitucional parlamentarista. Se não for esse o caminho, seria prudente restabelecer o presidencialismo tal qual decidido de forma soberana pela população no plebiscito de 1993. Hoje, divididos entre dois sistemas, vivemos uma espécie de parlamentarismo envergonhado que atrasa os rumos do país.