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O que é a geopolítica?

Transformações do campo do conhecimento através dos tempos e as lições para os dias atuais de conflito internacional

Por Latinoamérica21
Publicado em 29 de maio de 2025 | 11:43

Andrés Rivarola Puntigliano e Thomas Lundén/Latinoamérica21

Após ter estado ausente, quase ignorada, durante décadas, a palavra geopolítica renasce em popularidade mundial. Um fator importante no crescente uso do conceito de geopolítica foi a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, quando se tornaram comuns manchetes como “O retorno da geopolítica”.

Agora existe geopolítica para tudo, desde análises de movimentos sociais ou empresas até estudos sobre relações internacionais e economia, em nível global. Mas o problema é que o conceito de geopolítica é, em geral, usado com enfoques limitados e preconceituosos.

Sua limitação está no uso frequente de “geopolítica” como sinônimo de “conflito” ou “rivalidade”. Nessa visão, a geopolítica se associa a guerras (armada ou comercial), armamentismo, protecionismo ou controle de recursos naturais. O preconceito está no legado desde a Segunda Guerra Mundial, onde a geopolítica se iguala ao fascismo, imperialismo, nacionalismo, expansionismo ou militarismo autoritário. Entretanto, a origem da geopolítica é outra.

Origem do termo 'geopolítica'

A palavra geopolítica não provem de uma grande potência. Foi cunhada em 1899 pelo cientista político sueco Rudolf Kjellén (1864-1922), professor da Universidade de Uppsala, Suécia. Kjellén estava interessado em questões globais e escreveu o que talvez seja o primeiro estudo sobre as grandes potências mundiais. A exposição mais profunda de seu conceito de “geopolítica” está em sua obra “O Estado como forma de vida”, publicada em 1916. Kjellén procurou criar uma “teoria do Estado”, à qual atribuiu um papel decisivo na organização e na comunidade humanas. 

Para ele, os Estados existem em um sistema hierárquico no qual atuam para maximizar suas necessidades, onde a geopolítica é a dimensão territorial da ação do Estado sobre seu marco geográfico. Entretanto, segundo Kjellén, essa é só uma das várias dimensões da ação do Estado, com a “etnopolítica”, a “política econômica” e a “sociopolítica”, entre outras, como a “biopolítica”.

Pesquisadores em geopolítica

Outros pesquisadores contemporâneos também analisaram a relação entre espaço (território) e poder. Um deles foi o geógrafo britânico Sir Halford Mackinder, que em 1904 apresentou sua “teoria do hartland”, onde sustentava que o controle da Eurásia é chave para a dominação mundial. 

Outros foram o geógrafo francês Paul Vidal de la Blache, que aproximou os estudos geográficos do campo da geografia histórica e econômica, ou Alfred Thayer Mahan, dos Estados Unidos, com seu famoso texto The Influence of Sea Power upon History (1890). Nenhum deles mencionou a palavra geopolítica.

Tampouco a fonte de inspiração de Kjellén, o geógrafo alemão Friedrich Ratzel. Como Kjellén, evitou uma classificação racial categórica e preferiu falar de “civilizações”, cujo anseio por um espaço ideal — Lebensraum — é resolvido mediante uma constante adaptação ao habitat.

Associação ao imperialismo

A visão negativa da geopolítica ganhou força após a Segunda Guerra Mundial. Durante os anos 1930, o conceito foi amplamente utilizado pelo geógrafo militar alemão Karl Haushofer e foi parcialmente adotado pelo pensamento estratégico nazista, especialmente através do conceito de lebensraum, vinculado à biologia racial e à suposta superioridade civilizacional branca. 

Embora Kjellén nunca tenha usado esse enfoque, a geopolítica ficou associado ao nazismo e ao imperialismo. Os estudos de Kjellén nunca foram reconhecidos ou abordados por especialistas posteriores na política internacional, como Hans Morgenthau ou Kenneth Waltz. A perspectiva de Morgenthau tornou-se um guia a ser seguido na visão negativa da geopolítica, que ele via como determinista e perigosa, apta para mitos não científicos.

Guerra fria

Durante a Guerra Fria, havia especialistas que utilizaram uma perspectiva territorial para realizar análises centradas na segurança. Dois exemplos conhecidos são Henry Kissinger e Zbigniew Brzeziński. Nenhum deles citou Kjellén ou seu enfoque geopolítico. Isso de fato ocorreu na América Latina, onde a geopolítica se desenvolveu desde a década de 1920 e se aprofundou com novas perspectivas, orientadas ao desenvolvimento e à integração regional. 

O enfoque era fortalecer o Estado em seus esforços para construir Estados-nação debilitados, obter autonomia e combater uma posição de subordinação no sistema internacional, aprofundando a conexão entre Estado, industrialização e regionalismo.

Geopolítica crítica

Desde os anos 1990, um novo discurso geopolítico surgiu no que se denomina “geopolítica crítica”. Ele surge como uma reação aos enfoques mais tradicionais nas relações internacionais, partindo da ideia de que a geopolítica não é uma descrição neutra ou objetiva do mundo, mas sim uma prática socialmente construída.

A geopolítica crítica, através de pesquisadores como John Agnew, questiona as narrativas coloniais, bem como a forma como o Ocidente frequentemente se apresenta como norma. Sua alternativa é concentrar-se em como a linguagem, as imagens e as narrativas são usadas para criar imaginários geográficos e como o poder e a identidade se formam através do discurso geopolítico.

Lições da geopolítica

É positivo que a “geopolítica” tenha se tornado novamente um conceito aceito para análises sociais e econômicas. Mas convém ter em mente que, como outros conceitos das ciências sociais, é uma palavra polissêmica. Ou seja, pode ser abordada de distintas perspectivas, dependendo da pergunta e do objetivo. 

Duas lições positivas que podemos aprender com a origem sueca e a contribuição latino-americana à geopolítica são evitar o determinismo e considerar a geopolítica em uma relação complexa com outras dimensões analíticas. A outra é ver as unidades geopolíticas, como os Estados, como parte de um sistema global, no qual a busca por autonomia e desenvolvimento pode funcionar como um contrapeso ao imperialismo e à superação da subordinação periférica.

  • Mais informações sobre a origem do conceito de geopolítica podem ser encontradas no seguinte livro: "Territory, State and Nation", de The Geopolitics of Rudolf Kjellén, de Ragnar Björk e Thomas Lundén.

(*) Andrés Rivarola Puntigliano é professor de Estudos Latino-Americanos e historiador econômico, Instituto Nórdico de Estudos Latino-Americanos, Universidade de Estocolmo.

Thomas Lundén, Professor (emérito), Centre for Baltic and East European StudiesCentrum för Östersjö- och Östeuropaforskning (CBEES), Södertörn University, Suécia.

Tradução automática revisada por Isabel Lima