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Juhlia Santos

Fruto da coletividade, Juhlia Santos é quilombola do Kilombo Manzo e militante LGBTQIAPN+, com atuação nas causas trans. Vereadora eleita por Belo Horizonte, é uma artivista que se vale da arte como forma de discussão sobre as dissidências de raça, classe, gênero e, sobretudo, sobre a condição de humanidade. É também agitadora cultural em diversos cenários de Belo Horizonte e atua no Carnaval de rua da cidade, fazendo parte de vários blocos. É graduada em Comunicação Social e pesquisadora de gênero há 15 anos.

JUHLIA SANTOS

Eu só quero é ser feliz: Sem censura ou repressão nas favelas do país

Projetos de lei contra o Rap e oFunk em Belo Horizonte

Por Juhlia Santos
Publicado em 10 de abril de 2025 | 07:00

Existem três projetos de lei em tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte que visam censurar a produção, a difusão e a circulação de artistas do Rap e do Funk. Esses projetos são uma tentativa clara de cercear a liberdade artística e de expressão das periferias e das comunidades marginalizadas da cidade. A periferia, que já enfrenta a falta de saneamento básico, a violência policial, a pobreza, o racismo estrutural e ambiental, agora também se vê ameaçada pela imposição de uma censura que visa silenciar algumas das vozes que mais denunciam essas realidades.

A ausência de praças e outros espaços públicos destinados à socialização e ao lazer é uma constante nas comunidades periféricas. No Alto Vera Cruz, comunidade com mais de 45 mil habitantes, há apenas uma praça. Na Cabana do Pai Tomás, os meninos pulam o muro do cemitério para brincar, pois não têm outro lugar. Quando os artistas da periferia expõem essas realidades por meio do Funk e do Rap, formas legítimas de resistência e denúncia, verdadeiras tecnologias sociais pretas e periféricas, a reação por parte de fundamentalistas é a tentativa de censura e silenciamento.

Foi assim com o Samba, com a Capoeira, com os terreiros de tradição de matriz africana. Agora são o Funk e o Rap que estão sob ataque, principalmente por parte da extrema direita fundamentalista, que tenta a todo custo, censurar manifestações culturais que têm como DNA o ser preto e favelado.

Pelo menos 12 capitais brasileiras já têm projetos parecidos, a maioria apresentada por vereadores do União Brasil e do PL. Tais projetos de lei ficaram conhecidos como “Lei Anti-Oruam”, em referência direta ao rapper Oruam, nome artístico de Mauro Davi dos Santos Nepomuceno – dono da música mais ouvida do Brasil em janeiro deste ano no Spotify. Além da capital paulista, a proposta foi protocolada em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campo Grande, Fortaleza, Curitiba, Vitória, João Pessoa, Porto Alegre, Cuiabá, Porto Velho e Natal. 

A proposta apresentada pelos parlamentares é inconstitucional. Na prática, configura censura prévia e disputa de recursos. Por um lado, querem censurar o Funk e o Rap e, por outro, articulam a imposição da cultura gospel. Essa disputa, além de ideológica, também é financeira e política. Trabalhadores da cultura, principalmente aqueles da periferia, também não teriam o a recursos públicos ou poderiam ser excluídos de eventos patrocinados ou apoiados pelo poder público. Isso se configura como uma tentativa de cercear a liberdade artística e de expressão, negando o o a qualquer forma de arte que desafie o status quo.

A tentativa de amordaçar o Funk e o Rap em Belo Horizonte é uma manifestação de racismo, que precisa ser compreendido enquanto tecnologia política, pois opera em nome da gestão do terror, impondo o silenciamento como ferramenta para a manutenção de poder. Trata-se de uma estratégia de controle, censura, tipificação e higienização dos espaços, disfarçada de preocupação moral. É importante destacar que o Rap e o Funk são discursos que, desde sua origem, estão alinhados com a denúncia dos sistemas de exclusão. São, portanto, manifestações políticas que desarticulam a imoralidade que constrói e se alimenta das margens sociais.

Assim, aqueles que desejam o silêncio dessas expressões culturais encontram respaldo no racismo, propondo: hierarquização das produções estéticas, estrangulamento da liberdade – um princípio essencial para a negociação da imagem objetificada de sujeitos racializados – e a criminalização de todos os instrumentos insurgentes que desafiam a ordem estabelecida pela branquitude, um sistema comprometido também com outros maquinários políticos de exclusão dos grupos subalternizados.

Eles dizem agir em nome do respeito e da moralidade, mas sabemos que não se trata disso. Suas ações têm como objetivo a manutenção de abismos sociais, a reafirmação de oposições discriminatórias e a produção de silêncios que confortam aqueles que não se interessam em observar a realidade pela ótica de quem está posicionado nas margens político-sociais. Eles afirmam que agem em nome do respeito, mas, na verdade, se mobilizam para retroalimentar suas visões discriminatórias no mundo.

Enquanto acirram seus pactos para impedir nossos avanços, nós, periféricos, nos organizamos de forma disruptiva. Como nos ensina Sabotage, as produções culturais negras e periféricas são compromisso, e “respeito é pra quem tem”.