Iza Lourença

Sem justiça por Marielle não haverá democracia

Crime abalou para sempre a política nacional

Por Iza Lourença
Publicado em 14 de março de 2024 | 07:00

Mais um 14 de março chegou, e com ele completam seis anos sem respostas pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. É inaceitável afirmar que vivemos em um regime democrático enquanto uma mulher eleita é executada no centro da cidade do Rio de Janeiro.

É inacreditável que algumas horas depois do assassinato, enquanto o corpo da parlamentar e de seu motorista ainda estavam dentro do carro, a rede de propagação de ódio da extrema direita já estava organizada para divulgar mentiras sobre a vida e o trabalho de Marielle. Não eram perfis anônimos. Eram deputados federais e estaduais, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, servidores da segurança pública. Muitos foram eleitos naquele ano com o discurso contra Marielle. 

Desde 2018 nossa luta é por justiça, mas também em defesa da memória. A Câmara de Belo Horizonte rejeitou, em 2022, o Projeto de Lei Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça, de autoria do PSOL. A justificativa para rejeitar a proposta foi recheada de violência política de gênero. Destaco que dois vereadores que protagonizaram os ataques contra a memória de Marielle tiveram seus mandatos cassados por fraude na cota de gênero pelo Supremo Tribunal Eleitoral – infelizmente, depois de terem exercido seus mandatos quase que integralmente.

O crime que abalou para sempre a política nacional veio após o golpe misógino que retirou do poder a primeira presidenta eleita do Brasil e abriu caminhos para a ascensão da extrema direita. Com o governo Lula, há esperança na retomada democrática.

O Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça se tornou uma pauta nacional a partir do projeto de lei apresentado pelo Executivo. Temos nossa ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, como símbolo do compromisso do atual governo com a justiça e a memória. Temos mais segurança também na condução do caso pela Polícia Federal. 

Mesmo assim, ainda é muito pouco. Temos a nomeação da mineira Edilene Lôbo, a primeira mulher negra para o TSE, mas ainda não alcançamos o STF, apesar da campanha política que fizemos. A impunidade no caso Marielle e a falta de respostas sobre a motivação e o mandante do crime demonstram a face mais cruel da opressão e da exclusão das mulheres negras dos espaços de poder. 

Nós que seguimos na luta política institucional não temos nenhuma garantia de segurança para exercer nossos mandatos. A violência política de raça e gênero é parte do cotidiano das mulheres negras que ousam defender os direitos humanos.

Nossa atuação parlamentar, principalmente após sermos vítimas de ameaças, tem sido no sentido de avançar em saídas institucionais para proteger mulheres na política. Exemplo disso foi a parceria que intermediamos entre a Câmara de BH e o Ministério Público de Minas Gerais para que haja um canal direto para denúncias de violência política de gênero. No mesmo sentido, faremos parte da ação Maré de PLs, coordenada pelo Instituto Marielle Franco, A Ponte e o Movimento Mulheres Negras Decidem, protocolando o projeto de lei para implementar a política municipal de combate à violência de gênero.

Mais um 14 de março sem respostas reforça que nosso país naturaliza a violência contra os corpos negros. Mas nossas vidas não são negociáveis. Ocuparemos as ruas, as praças, as redes, os Parlamentos e as instituições para contar a história de Marielle e seguir na luta por justiça. Lutar pelo legado de Marielle também é seguir ocupando com meu corpo esse espaço, contra a nossa exclusão da vida pública. Inspirar jovens negras para que elas possam revolucionar a sua própria realidade e construir uma sociedade verdadeiramente democrática.

Iza Lourença é vereadora em Belo Horizonte (PSOL) [email protected]