No funeral de JK, as calorosas homenagens dos brasilienses
Redação O Tempo
Reconhecendo meu papel de figurante no funeral do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, no dia 23 de agosto de 1976, reli as revistas e os recortes de jornais preservados desde então para analisar detalhes das homenagens prestadas pelos brasilienses ao mais importante estadista deste país. Os textos confirmam minhas lembranças e pude avaliar depoimentos de iradores e adversários, situando-os naquele momento em que compareciam à Catedral Metropolitana e nos anos seguintes. Quem marcou a nossa história com a mesma grandeza do diamantinense que fez uma transfiguração física e cívica neste país, incutindo em todos os brasileiros coragem para dar o salto para a modernidade? Quem manteve, mesmo na adversidade, convicções democráticas como se elas fossem sua segunda natureza? Quem despertou um sentimento de euforia para trabalhar e investir como se o progresso fosse possível para todos? Quem demonstrou que tinha uma alma tão próxima da alma coletiva do Brasil, pois acreditava sempre na tolerância em respeito ao outro?
Nenhum líder atingiu essa dimensão e talvez esteja aí a razão maior da espontaneidade que pontuou as atitudes dos brasilienses desde o amanhecer, pois comércio, indústria e escolas não abriram as portas, motoristas amarraram fitinhas pretas nas antenas de rádio dos carros, jovens motoqueiros participaram do cortejo desde o aeroporto e os moradores das cidades-satélites desembarcaram na rodoviária para manifestar sua tristeza quando o corpo chegasse à catedral. Mesmo assim, o Poder Executivo mantinha-se insensível e só divulgou um decreto do presidente Ernesto Geisel sobre o luto oficial de três dias às 12h50, justificando que era um ato de grandeza, mas não haveriam honras fúnebres sempre prestadas a autoridades "porque a família não quis". Foi uma eloquente demonstração do ostracismo político imposto pelos militares e ficou ridícula, pois parlamentares, membros do Poder Judiciário e representantes de todas as embaixadas estrangeiras foram assistir à missa celebrada pelo arcebispo da capital auxiliado por 22 sacerdotes.
Os iradores de JK não se constrangeram com a falta de honras fúnebres. Preferiram disputar com o Corpo de Bombeiros a missão de levar a urna ao longo do Eixo Monumental e da W3 até o Campo da Esperança. Em meio a lágrimas e cânticos, gritavam "o povo leva, o povo leva". É necessário enfatizar que esse funeral foi a primeira mobilização popular sob a égide do AI-5, pois estava expressamente proibida qualquer aglomeração que configurasse manifestação política. Não houve, entretanto, repressão policial e um soldado gritava, enquanto era empurrado para romper o cordão de isolamento que protegia a família Kubitschek: "Não faça isso, gente, eu também gostava dele". Por outro lado, ninguém expressou suas convicções partidárias, pois predominou o consenso espontâneo de que era o momento para homenagear o criador de Brasília. Afinal, seria a última vez que ele circularia por ali e isso aconteceu por poucas vezes, quase como um clandestino, desde 1964.
Ainda há muito para escrever sobre Juscelino Kubitschek, mas preciso finalizar aqui. Reproduzo, então, essas palavras de JK contidas em artigo publicado por Carlos Chagas, no "Jornal de Brasília", no dia do funeral: "Fui combatido aos limites da resistência humana, quando me propus trazer a capital para o planalto. Atacaram-me com rancor e não me pouparam os insultos mais pesados. Aí está o que ficou de tudo: a sede do mundo moderno".