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Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

CRISTOVAM BUARQUE

Como sair daqui: autoritarismo e desigualdade

Promessas não cumpridas da democracia brasileira

Por Cristovam Buarque
Publicado em 14 de março de 2025 | 07:00

Esta semana, comemoramos quatro décadas da posse do primeiro presidente civil a governar o país após o período de ditadura militar. De março de 1985 em diante, sob a liderança de José Sarney, elaboramos a Constituição Cidadã, legalizamos partidos, abolimos a censura. A comemoração neste 15 de março no Panteão da Pátria será também momento para refletirmos sobre como retomar a capacidade de unir o país em torno de propósitos comuns.

O 40º aniversário daquela unidade pela democracia coincide com a atual unidade dos brasileiros eufóricos pela conquista do Oscar com um filme sobre o período da ditadura. “Ainda Estou Aqui” deslumbra com a beleza pela reconstituição do fato e da época, desperta para a denúncia de um momento perverso de nossa história, alerta para que os fatos mostrados não se repitam. Se foi possível a coragem de Eunice para gritar “ainda estou aqui”, é possível ter esperança no grito “vamos sair daqui e avançar”.
O Brasil que construímos nos 40 anos depois do fim da ditadura ainda tem economia de baixa produtividade, concentração de renda elevada, privilégios crescentes e supersalários, sistema político que exacerba a corrupção, justiça instável, Parlamento sem confiabilidade, ruas entregues à violência e crime organizado, sistema educacional pelo qual pingam anualmente dezenas de milhares de novos analfabetos.

O Brasil deve se envaidecer de Marcelo Rubens Paiva, por seu livro “Ainda Estou Aqui”, e também de Walter Salles, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, Selton Mello. Mas a maior homenagem a uma obra é usá-la para avançarmos.

Precisamos escutar “ainda estamos aqui” na luta contra o autoritarismo e acender a chama para o grito de “como sair daqui e avançar” na luta pela construção do Brasil que a democracia prometeu e ainda não cumpriu: economia sustentável e eficiente, que faça uma sociedade sem pobreza, com Forças Armadas sob o mando civil e integradas ao mundo democrático, políticos comprometidos com a ética e o interesse público, sujeitos à transparência na gestão, iniciar a implantação de um sistema federal público que ofereça educação com a máxima qualidade a todo brasileiro, independentemente da renda e do endereço de sua família; desburocratizar a atividade econômica de maneira a incentivar o talento pessoal a promover soluções e riquezas graças ao empreendedorismo pessoal; impedir o consumo e a produção de bens que depredem a natureza.

Devemos perceber a feliz coincidência do sucesso de “Ainda Estou Aqui” com a comemoração dos 40 anos de democracia e lembrar a unidade que levou à vitória política contra o regime militar para buscarmos avançar no pagamento das dívidas que a democracia tem com o povo e com a nação.