Desfazimentos e omissão
Meio ambiente, segurança e corrupção
Com autoridade de ministra do Meio Ambiente e símbolo mundial da defesa do desenvolvimento sustentável, Marina Silva disse que até o fim deste século o Pantanal poderá deixar de existir. A responsabilidade por esse desfazimento não é apenas do Brasil: é resultado de dois séculos de progresso mundial baseado na produção e consumo desenfreados.
Mas a responsabilidade do Brasil é especial por ter uma das maiores economias e não usar com seriedade sua força política para defesa e exemplo de desenvolvimento sustentável. O desfazimento que a ministra denuncia no Pantanal pode ser percebido também nas demais florestas, inclusive a amazônica. A destruição de nosso patrimônio natural é apenas uma mostra dos significativos desfazimentos que ocorrem no Brasil.
A violência urbana mostra o desfazimento do tecido social, sob ameaça de balas perdidas, assaltos e assassinatos; com crianças impedidas de ir à escola enquanto bandidos e policiais não adotam trégua entre eles. A desconfiança e o medo são provas do desfazimento da convivialidade em cidades partidas por apartação social, com parte presa em condomínios e outra jogada em calçadas.
A prática política é causa de desfazimento pela corrupção generalizada e pela perda de credibilidade e legitimidade na democracia usada para atender aos interesses dos políticos e dos partidos enredados no individualismo, imediatismo, eleitoralismo, sem causas e sem propósitos.
O crescimento da dependência às drogas e a ocupação de cidades por cracolândias demonstram um desfazimento do Brasil. Igualmente indicador são os milhões de jovens que resistem e não caem na tentação da droga, mas sobrevivem sem escola e sem emprego, sem sonhos e sem perspectivas.
O maior exemplo do desfazimento nacional está na permanência da pobreza e da desigualdade social, que assumem o atual quadro de apartação, com a população tão dividida e segregada em condomínios ou favelas que a ideia de nação parece extemporânea.
De tão antigo, esse desfazimento social decorre sobretudo da omissão ao longo de décadas ignorando a necessidade de um sistema nacional robusto de educação de base para todos, independentemente da renda ou do endereço da família. Incinerando patrimônio maior do que o Pantanal: o potencial dos cérebros das crianças deixadas sem a educação de base, despreparadas para a busca da felicidade pessoal e para a construção do progresso econômico, com justiça social e equilíbrio ecológico.
A ministra símbolo mundial de ecologia nos alertou para o caso do Pantanal, mas não deve ficar omissa diante dos muitos outros incêndios que desfazem o Brasil em outros setores, especialmente o maior deles: o desprezo pela educação de base.
Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação