e mais publicações de Cristovam Buarque

Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

CRISTOVAM BUARQUE

General preso não faz democracia

É preciso promover uma nova mentalidade

Por Cristovam Buarque
Publicado em 20 de dezembro de 2024 | 07:00

A democracia tem razões para sentir otimismo com a inédita prisão de um general quatro estrelas, mas deve entender que generais golpistas presos não fazem tropa democrática. É preciso promover nova mentalidade entre os militares e os políticos civis devem ser comprometidos com a causa pública, sensíveis aos interesses da população e íntegros no exercício dos cargos. Sem isso, ameaçam a democracia apodrecendo-a por dentro.

Mas até agora nenhuma pesquisa apurou qual a reação da tropa à prisão de Walter Braga Netto. Sabe-se que os comandos estão respeitando a decisão da justiça e o trabalho da polícia, mas não se sabe se a caserna está mais indignada com a postura dos golpistas querendo impedir a posse dos vitoriosos ou se estão indignados com a incompetência para levar adiante o plano. 
Em quase meio século de democracia, nenhum dos presidentes enfrentou a questão militar no Brasil: adotar formação legalista, comportamento hierárquico e não apenas protocolar em relação ao poder civil eleito, consciência democrática, respeito às instituições. Nenhum presidente tentou punir os culpados pelos crimes cometidos nos 21 anos de ditadura. Aceita-se a permanência de um sistema que põe as armas com poder moderador sobre as urnas, contra o que julgam incompetência, corrupção ou simplesmente ideias exóticas. Sobretudo, todos os oito presidentes civis se comportam assustados e temerosos diante do poder militar.

Os políticos democratas precisam entender que os golpes ocorrem mais pelo apodrecimento interno da democracia dos civis do que por reação golpista de militares. O eleitorado prefere a democracia, mas não está satisfeito com o Brasil construído nos últimos 40 anos: sente que diminuiu a penúria, mas a pobreza continua, os privilégios e benefícios foram ampliados, a produtividade não aumentou, a corrupção se espalhou, a violência chegou ao nível de guerra civil, o número de analfabetos adultos não diminuiu; nem o número de crianças matriculadas em escolas aumentou.

O presente pode até parecer melhor, mas os anos de democracia não estão acenando para um país eficiente, sem privilégios e sem corrupção, sem pobreza, com renda bem distribuída, com juventude esperançosa e motivada.

Feliz a democracia em que um juiz legalista tem poder para prender um general golpista, mas nenhum juiz empoderado ou general preso constrói a democracia; é preciso que os políticos civis sejam respeitados e usem o sistema democrático para abolir a corrupção no comportamento e nas prioridades, atendam aos sonhos da população, enfrentem a secular questão militar do Brasil, ao ponto que a ideia de golpe não faça mais parte do imaginário dos militares.

Cristovam Buarque é professor emérito da UnB