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Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

CRISTOVAM BUARQUE

A eleitorcracia contra o mundo

Não se busca o melhor nem para seu país no longo prazo

Por Cristovam Buarque
Publicado em 08 de novembro de 2024 | 07:00

Por muitos séculos, as tribos de seres humanos não percebiam que o mundo existia; cada grupo étnico se sentia único. Aos poucos, o mundo foi se transformando na soma de países diferentes que conviviam ou disputavam em guerras entre eles. 

Nas últimas décadas o mundo ficou integrado econômica e culturalmente, e diversas entidades foram criadas para promover a cooperação entre países em fóruns internacionais. É muito recente a atual realidade, em que cada país é um pedaço do mundo. 

O planeta deixou de ser apenas um conceito de astronomia e se transformou na casa de todos os humanos. As mudanças climáticas aram a ser vividas em qualquer parte do globo, mostrando que a humanidade não é mais apenas um conceito filosófico.

A Terra ou a ser uma casa, e a humanidade uma família, mas cada indivíduo se mantém ligado e fiel ao seu país. A política segue baseada nos interesses dos indivíduos organizados nos espaços nacionais e até regionais. 

Para o eleitor, o que interessa é qual será o melhor presidente para atender aos interesses de seu país nos próximos anos. No caso dos Estados Unidos, país decisivo no futuro do planeta e da humanidade, a eleição pode ser decidida pelos interesses dos eleitores do bairro de uma cidade, sem qualquer compromisso com o longo prazo do mundo.

A democracia é, na verdade, uma eleitorcracia, movendo os eleitores sem sentimento com a humanidade, sem compromisso com o resto do mundo, nem mesmo com povos que vivem em países vizinhos. Tampouco com os interesses da própria nação no longo prazo. 

Cada país é um pedaço do mundo, nenhum povo aceita decidir seu futuro com base em ser parte da humanidade, nem os de outro país, nem aqueles que ainda não nasceram no próprio país. Isso fica visível na aversão dos eleitores de cada país aos imigrantes, tanto os estrangeiros vindos de outros países quanto as gerações que ainda não nasceram. Sobretudo no momento em que a “Era da Abundância” deu lugar a uma “Era da Escassez”.

As eleições recentes nos Estados Unidos e na Europa mostram a visão míope da eleitorcracia. A maioria dos eleitores não busca o melhor nem mesmo para o seu país como pedaço do mundo no longo prazo. A democracia não reflete o interesse do povo no futuro, apenas da maioria dos eleitores para hoje. Por isso, deveria ser chamada de “eleitorcracia”. 

Dificilmente a eleitorcracia vai definir regras nacionais para proteger o meio ambiente planetário no longo prazo. O emprego no presente pesa mais na decisão do eleitor do que o risco das catástrofes mundiais devido às mudanças climáticas. 
A eleitorcracia tem horror ao planeta, ao humanismo, ao futuro, aos estrangeiros, defende com lucidez os interesses imediatos e nacionais dos eleitores contra o resto do mundo.

Cristovam Buarque é professor emérito da UnB