De farol a retrovisor
Sem oferecer alternativas ao eleitor, esquerda se esgota
Mais uma vez, o eleitor alerta as forças progressistas, votando em candidatos conservadores, inclusive da extrema direita.
No regime militar havia unanimidade na defesa da democracia e de conquistas sociais que a direita negava. Na primeira eleição direta os democratas já se dividiram, e o eleitor preferiu o candidato da direita, que defendia o fim dos marajás encastelados na máquina do Estado. A esquerda ficou como defensora de privilégios e não se livrou mais dessa marca.
As forças progressistas foram salvas pelo impeachment de Fernando Collor de Mello devido a suspeitas de corrupção. O governo de Itamar Franco, especialmente no controle da inflação, permitiu eleger Fernando Henrique Cardoso, que consolidou imagem positiva dos democratas progressistas. O eleitor avançou para a esquerda, elegendo quatro governos do PT. Mas em nenhum momento com unidade progressista: o PT fez oposição ao PSDB, e o PSDB ao PT.
Essa divisão, aliada aos erros de gestão e ao envolvimento com corrupção, elegeu a extrema direita em 2018, menos por desejo conservador do que por antagonismo e cansaço com o discurso e comportamento da esquerda, especialmente o PT.
O eleitor fica conservador sobretudo pelo esgotamento das propostas de esquerda. Apesar da ineficiência, desperdício e corrupção do Estado, a esquerda continuou tratando “estatal” como sinônimo de “público”, sem apresentar críticas nem propostas para superar as fragilidades dos governos.
O eleitor deixou de desejar melhorar o Estado e ou a desejar o aos serviços privados. Prefere a direita porque lhe parece mais eficiente para istrar os mesmos programas da esquerda. Embora criado em 1995 em governo do PT no Distrito Federal, o Bolsa Escola, levado para o Brasil por FHC, e adotado por Lula como Bolsa Família, não é mais um programa de esquerda. Foi mantido por Bolsonaro como Auxílio Brasil.
Apesar de 26 anos no poder, 16 dos quais sob o PT, as esquerdas nunca apresentaram estratégia de reforma social para erradicar a pobreza, distribuir melhor a renda nacional, vacinar a política contra corrupção.
As bolsas, o SUS e o aumento do salário mínimo acima da inflação reduzem a penúria, mas não eliminam o quadro de pobreza nem diminuem a concentração de renda.
A esquerda não apresenta alternativas estruturais para eliminar o quadro de pobreza, distribuir renda, crescer a economia respeitando o meio ambiente, publicizar as estatais, implantar um sistema nacional de educação de base com equidade, organizar cidades com convivialidade e pacíficas.
Sem apontar rumo para o futuro e sem discurso para o eleitor atual, a esquerda se esgota, fica eleitoreira, sem se ajustar ao que pensa e deseja o eleitor. Deixa de ser farol e vira retrovisor, papel que deve caber com naturalidade à direita, cujo papel é conservar, não progredir.
Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação