ROMPIMENTO HISTÓRICO

Análise: Papa Francisco enfrentou a pedofilia na igreja e deixa legado ao Vaticano

Pontífice estabeleceu, no Vaticano, mudanças estruturais para punir sacerdotes envolvidos em escândalos sexuais 

Por Simon Nascimento
Publicado em 21 de abril de 2025 | 08:54

Nos doze anos em que esteve à frente do Vaticano, o argentino Jorge Mario Bergoglio - o Papa Francisco, tocou em feridas históricas do catolicismo. Um dos pontos delicados enfrentados pelo pontífice foi o combate aos casos de pedofilia cometidos por padres e demais integrantes do clero. 

As ações de Francisco envolveram desde pedidos de desculpas às vítimas de abusos sexuais e chegaram à expulsão de religiosos, como o cardeal americano Theodore McCarrick, em 2019, após condenação por violações contra menores. O principal feito, na avaliação de especialistas, foi a criação de uma cúpula inédita no Vaticano voltada à proteção de crianças e adolescentes, também em 2019. 

A partir da cúpula, o Papa determinou a suspensão do segredo pontifício sobre crimes de abuso sexual cometidos por integrantes do clero e tornou obrigatório que os religiosos denunciem qual caso do tipo aos superiores. Também foram criadas plataformas de ouvidoria em dioceses ao redor do mundo. 

O professor e ex-coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC de São Paulo, Francisco Borba Ribeiro, destacou que com as mudanças, o Papa fez com que o direito canônico, válido especificamente para as questões relativas à igreja católica e sem poder de lei, não pudesse ser utilizado para ‘esconder’ crimes praticados por integrantes do clero. 

“Ele faz com que qualquer aspecto do direito canônico que pudesse ser interpretado como uma forma de escapar da lei civil, fosse anulado. O direito canônico, agora, colabora ao máximo possível para que os culpados sejam condenados segundo a lei civil”, detalhou o professor. 

Ribeiro destacou que Francisco implementou alterações conforme avaliações feitas a partir de medidas já em vigor. “De modo geral, na base jurídica hoje me parece que tudo o que Bento XVI havia começado em termos de direito canônico, me parece que Francisco conseguiu finalizar. Mas qual é o problema? Uma coisa é você ter a lei escrita e bem escrita. Outra coisa é você ter, em todas as dioceses do mundo, mecanismos adequados para realizar aquela lei ”, opinou. 

O professor frisou que, atualmente, grande parte dos casos de pedofilia registrados na igreja são casos antigos, o que pode mostrar uma eficiência nas medidas adotadas por Bergoglio. “Uma outra linha de ação importante do Papa Francisco neste aspecto foi dar mais visibilidade à solidariedade do papado às vítimas. Bento XVI podia ter até sido mais solidário às vítimas do que Francisco. Porém, não tinha a mesma capacidade que o Papa Francisco tinha de se comunicar com a sociedade e com as vítimas. Então, Francisco criou uma nova forma de relação da igreja com as vítimas de pedofilia com esse sinal de afeto e solidariedade”, sinalizou. 

Trabalho nas dioceses 

Nas dioceses de todo o mundo, as equipes multidisciplinares atuam dentro do que foi determinado por Francisco, mas o poder de atuação depende, conforme Francisco, da estrutura dos escritórios do Vaticano. “Existem dioceses muito pequenas, com poucos recursos, mas que precisam receber e avaliar todas as denúncias, fazendo o encaminhamento para a autoridade civil responsável. Tendo essa estrutura em todas as dioceses, você tem condições de resolver. Agora, aí vai ser a questão concreta de saber se a diocese escolheu as pessoas certas, se essas pessoas estão agindo de forma adequada”, frisou o docente.