Milton Nascimento

Bituca defendeu causa Yanomami em show e disco gravado há mais de 30 anos

Álbum, em parceria com Fernando Brant, nasceu depois de uma expedição à floresta; artista disse, na época, que ‘Yanomami é vida’

Por Alex Bessas
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

“Muitos séculos atrás, os Yanomami já sabiam que a Terra era azul, encoberta por uma camada frágil de azul que deveria ser tratada com muito carinho. Mas a gente teve de ouvir isso anunciado pelo astronauta soviético Iuri Gagarin para acreditar, isso tanto tempo mais tarde. E, há muitos anos, Davi Kopenawa Yanomami nos alertou para o perigo de um buraco no céu, e só muitos anos depois nossos cientistas descobriram o buraco na camada de ozônio. Este é o povo que a nossa chamada civilização quer destruir, mas não vão conseguir, porque Yanomami é vida”.

 

Ainda que possa surpreender, o fato de esse discurso continuar a parecer atual é ilustrativo de como os Yanomami, assim como outros povos indígenas, têm enfrentado a ameaça do fim de seus mundos dia após dia ao longo dos últimos séculos. Na verdade, contudo, esse chamado à razão já tem mais de 30 anos. As palavras são de Milton Nascimento, em um show realizado, possivelmente, segundo a assessoria do artista, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco92, sediada no Rio de Janeiro, em 1992. 

 

À época, a sociedade brasileira acompanhava a luta e os debates em torno do projeto de demarcação do Território Indígena (TI) Yanomami. A medida foi concretizada naquele mesmo ano, buscando dar fim à drástica situação vivenciada na região após os contatos com os brancos patrocinados por políticas de incentivo da ditadura militar, sobretudo a partir de 1970, e da invasão de garimpeiros na década seguinte.

 

Dando mostras de que, além de ser um dos povos que mais conservaram costumes e rituais próprios, essa população também soube se fazer presente na cultura não indígena, influenciando o pensamento, a arte, a culinária e a cultura nacionais, Bituca interpretou a música “Yanomami e Nós” logo na sequência daquele discurso, hoje histórico. “Ter de resistir à dor, à dor/ Sem compreender porque há dor, há dor”, dizem os primeiros versos da composição, uma parceria com Fernando Brant (1946-2015) que ocupa a sétima faixa do disco “Txai”, de 1990 – trabalho que nasceu a partir de uma expedição à Amazônia e fez parte de uma campanha mundial de apoio à Aliança dos Povos da Floresta, coordenada pela União das Nações Indígenas e pelo Conselho Nacional dos Seringueiros.

 

“Logo na abertura do álbum, temos a faixa experimental ‘Overture’, na qual Davi Kopenawa profere um texto na língua de seu povo, os Yanomami, enquanto Milton Nascimento canta ao fundo o tema composto para o Ballet David Parsons, criando assim uma base melódica para o líder indígena”, descreve o pesquisador Francisco Espasandin Arman Neto na resenha “‘Txai’, de Milton Nascimento: um sopro de vida em meio ao ódio”, publicada em 2020.