Equívoco

"Indígenas ainda sofrem a mesma violência dos colonizadores do século XVI"

Filósofo e teólogo, Frei Betto lançou romance sobre o massacre dos Waimiri-Atroari nos anos 1970 e fala da violência até hoje empregada pela sociedade brasileira aos indígenas

Por Cynthia Castro
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

O escritor e frade dominicano Frei Betto, nascido em Belo Horizonte, conversou com O TEMPO sobre os Yanomami e os outros povos originários. Conhecido pela sua trajetória de vida contra as injustiças sociais e autor de mais de 70 livros, ele lançou recentemente “Tom Vermelho do Verde”, pela editora Rocco. O romance é uma denúncia histórica sobre o massacre dos Waimiri-Atroari nos anos 1970, quando o governo militar deu início à construção da BR–174, na região Norte. Na entrevista, Frei Betto, que também é jornalista, antropólogo, filósofo e teólogo, lembra que a violência empregada pelos colonizadores do século XVI continua até hoje. 

 

"Massacre" é uma palavra presente na história dos povos originários, desde a chegada dos portugueses. Qual reflexão podemos fazer?

A cultura colonialista ainda é muito forte’, carregada de supremacismo. Dissemina essa ideia equivocada de que os homens são superiores às mulheres; brancos, aos negros; europeus, aos latinos; habitantes de cidades, aos indígenas etc. Isso serve de justificativa para que o “superior” possa oprimir, massacrar, exterminar o “inferior”.

 

Qual paralelo você faria do que vivem os Yanomami hoje e o que os indígenas aram no início dos anos 1500? 

Todas as nações indígenas do Brasil, sem exceção, continuam a sofrer a mesma violência empregada pelos colonizadores do século XVI. Talvez com uma única diferença: já não se escravizam indígenas. A cultura colonialista não alcança o valor antropológico e socioambiental dos povos originários.

 

Falar do tratamento que os indígenas tiveram e ainda têm no Brasil é falar também de desumanização?

Essa desumanização decorre do modo equivocado como os indígenas são vistos. Embora portadores de uma profunda cultura socioambiental, pelo fato de não exercerem o letramento, são tidos como ignorantes. A visão preconceituosa folcloriza os indígenas.

 

“Tom Vermelho do Verde” é um romance sobre um fato real que recupera a história dos indígenas Waimiri-Atroari. Quais massacres ocorreram ali?

No romance “Tom Vermelho do Verde” (Rocco), descrevo como a ditadura massacrou quase 2.000 Waimiri-Atroari ao rasgar a selva amazônica para abrir a rodovia 174, que liga Manaus a Boa Vista. E elenco os anteriores massacres ocorridos desde a chegada dos colonizadores portugueses. Este é um triste capítulo da história do Brasil pouco conhecido.

 

Por que é tão importante abordar histórias como essa, na literatura, no cinema e em outras expressões culturais?

Porque os indígenas são nossas raízes, e o Brasil é das raras nações a contar com povos originários que preservam sua completa autonomia frente à sociedade branca, supostamente civilizada. Neles, identificamos melhor o nosso ado como espécie humana e a empatia com a natureza.

 

O que o Brasil precisa para despertar em diferentes públicos, especialmente nas crianças, a importância da temática indígena?

Divulgar obras como “Tom Vermelho do Verde”, “Quarup” (Antonio Callado), “O Guarani” (José de Alencar), “Iracema” (José de Alencar), “A queda do céu” (Davi Kopenawa e Bruce Albert), “Olho d´Água” (Conceição Evaristo), “Kurumi Guaré no Coração da Amazônia” (Yaguarê Yamã), “Uala - O Amor” (que também é minha) e tantas outras.