Aliciamento

Jovens são cooptados por garimpo e rompem elos familiares

Yanomami mais novos, seduzidos pelos criminosos, deixam aldeias; divisão de tarefas é prejudicada

Por Aline Diniz e Cristiana Andrade
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

Nas aldeias Yanomami, os homens são responsáveis pela caça e por parte da roça. Quando o garimpo chega, muitos jovens são aliciados pelos criminosos. Seduzidos pela possibilidade de ganhar dinheiro e ter o a celulares, roupas e comida, eles deixam as aldeias. A saída deles significa a desestruturação da divisão de tarefas. Com menos homens, o volume da caça cai bruscamente. Sem mão de obra, a roça fica prejudicada. O resultado é escassez de alimentos. “O jovem quer explorar o mundo e depende de um trabalho que, muitas vezes, é forçado. Ele deixa de ser mão de obra”, detalha um líder indígena ligado à Funai, sob anonimato.

 

A implantação do garimpo deixa as aldeias acuadas. Com medo, os indígenas não conseguem ter mobilidade no território para terras mais férteis, o que é muito importante para a agricultura. “Sem a interferência do homem branco, a mobilização geográfica ocorre de cinco em cinco anos”, conta a liderança Yanomami. Por causa do garimpo, a característica nômade é perdida e as terras ficam improdutivas. Mulheres e idosos são muito prejudicados, pois permanecem nas aldeias.

 

A invasão ilegal não surgiu agora – está presente pelo menos desde a década de 1980. Monitoramento iniciado em 2018 pelas associações Hutukara Yanomami e Wanasseduume Ye’kwana, com assessoria do Instituto Socioambiental (ISA), no entanto, indica que a área total destruída pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami (TIY) tem crescido vertiginosamente: naquele ano, somava 1.200 hectares, tendo sua maior concentração nas calhas dos rios Uraricoera e Mucajaí. Em três anos, a área impactada mais do que dobrou, chegando, em dezembro de 2021, ao total de 3.272 hectares, um avanço de 172,67%.

 

Conflitos fecham postos. Com os crescentes conflitos entre garimpeiros e indígenas, vários postos de saúde tiveram de ser fechados. Em 2022, ao menos quatro polos de saúde indígena foram fechados por violência associada ao garimpo. “No Homoxi, garimpeiros tomaram a pista aberta para os aviões levarem os agentes de saúde e medicamentos e aram a usá-la para a logística garimpeira. Paapiu ficou fechado por causa de conflitos envolvendo jovens indígenas aliciados pelo garimpo. Somando tudo isso – alta incidência de malária, forte circulação de doenças respiratórias, falta de atendimento médico, ausência de remédios, o contexto da violência, o rio poluído, pouca área disponível para agricultura –, o modo de vida dessas comunidades vai se tornando impossível”, aponta o geógrafo Estêvão Benfica Senra, pesquisador no Instituto Socioambiental (ISA). 

 

Cooptados para trabalhar no garimpo com pequenos afazeres, os jovens adolescentes indígenas se sentem atraídos pelo dinheiro. “Daí, eles am a ter contato com armas, doenças e, muitas vezes, álcool e drogas. Com isso, acentuam a contaminação das aldeias com malária e viroses, além dos conflitos entre gerações. Com homens adoecidos e a mobilidade reduzida para cuidar da roça e da caça em função do avanço do garimpo, os Yanomami vão se desestruturando, levando a um esgarçamento cultural e de suas relações, uma vez que, quando os jovens que trabalham nos garimpos voltam para as aldeias, chegam violentos com os mais velhos, brigam e acabam rompendo com as tradições. É um ciclo devastador”, diz Senra. 

 

Há dois anos, o diretor da Hutukara Associação, Dario Vitorio Kopenawa Yanomami, em artigo sobre o tema para a agência Amazônia Real, denunciou o cenário devastador e de medo da etnia frente à realidade. Ele conta que os rios estão totalmente contaminados pelo excesso de mercúrio usado pelos garimpeiros na busca por ouro, o que impacta diretamente a qualidade das águas, dos peixes e de todo o ecossistema.

 

“A Terra Yanomami virou cemitério porque os garimpeiros a estão enterrando ilegalmente”, afirmou Dario.