Violência sexual

Estupro por garimpeiros leva terror para dentro da terra Yanomami

Antropóloga Sílvia Guimarães, da Universidade de Brasília, diz que o corpo que mais sofre com a invasão do garimpo ilegal é o das mulheres

Por Gabriel Rodrigues, Raquel Penaforte e Aline Diniz
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

O corpo que mais sofre com a invasão do garimpo ilegal nas terras Yanomami é o da mulher indígena. “O maior peso está em cima das costas delas, porque, além da fome, da desnutrição de suas crianças, há a violência sexual contra elas e suas filhas”, alerta a antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Sílvia Guimarães.

 

“A violência do garimpo cai em dobro nas costas da indígena, da mulher Yanomami”

 

A antropóloga Alcida Rita Ramos, professora emérita da UnB, explica que os forasteiros podem fazer uso da força ou da persuasão, subornando os Yanomami em troca de bens – e até de comida, depois que “as roças foram esfaceladas pelo garimpo, os animais de caça fugiram e os peixes foram envenenados por mercúrio”. “Nessa situação de penúria forçada, elas (as mulheres) ficam especialmente vulneráveis”, lamenta Alcida, que dedicou 50 dos seus 85 anos ao povo Yanomami. 

 

O relatório “Yanomami sob ataque”, produzido pelas associações Hutukara e Wanasseduume Ye’kwana e publicado em abril do ano ado, traz denúncias como essas e outras ainda mais graves. O documento – o mais recente sobre a violência à qual o povo Yanomami é submetido com a invasão do garimpo ilegal – reproduz relatos dos indígenas sobre aliciamentos e ofertas de ouro e alimentos “em troca” de suas filhas e irmãs. Tudo para ter com elas relações sexuais, muitas vezes à força ou regadas a bebidas alcoólicas. As meninas também são apalpadas em troca de algum alimento.

 

Neste mês, outro caso grave veio à tona, reforçando a recorrência de abusos sexuais: pelo menos 30 meninas e adolescentes Yanomami estariam grávidas, vítimas de garimpeiros, em Roraima. Os relatos, segundo o secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro, foram apresentados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), durante reunião com comitiva do governo federal, no último dia 30 de janeiro, na sede do Distrito Especial Yanomami de Roraima. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse que o governo federal tem conhecimento desses relatos e investigará o assunto.

 

A situação faz com que as Yanomami incluam em sua agenda de luta a forma como suas meninas são violadas pelos garimpeiros. “Elas estão sofrendo muita violência sexual, e as anciãs estão indignadas, esbravejam e é desesperador”, conta Sílvia. “Elas têm medo de andar pela floresta hoje”, ressalta a antropóloga. O território delas não é mais livre. 

 

“Quero  morrer como mulher idosa”

 

“Não queremos que nossos maridos sejam mortos pelos garimpeiros, depois que se instalem nas proximidades. Não quero morrer de fome. Eu quero morrer simplesmente de velhice, sem outras causas. Eu quero morrer como uma mulher idosa.” O relato aterrorizado de uma indígena está descrito no documento “Yanomami sob ataque”, produzido pelas associações Hutukara e Wanasseduume Ye’kwana e publicado em 2022. 

 

Outro tema recorrente no relatório é a transmissão de doenças, como a malária, pelos garimpeiros. “As lideranças disseram para eles que, estando tão próximos, se comportam muito mal. Por isso, outros Yanomami os apelidam de ‘letalidade da malária’. Eles são mesmo ruins, são portadores de epidemias por causa das quais morremos”, fala outra indígena no relatório. “É algo tão profundo que elas não têm como determinar se vão morrer de velhice ou não. É como se estivessem vivendo um estado de guerra”, diz o documento.