HABITAÇÃO

Em Minas, há dois imóveis vazios para cada família sem lar

Uso de habitações para obter renda e acumular patrimônio contrasta com a falta de moradia para todos

Minas Gerais tem um déficit habitacional quantificado de 556,68 mil residências. Ao mesmo tempo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,2 milhão de imóveis estão desocupados em todo o Estado. Ou seja, a quantidade de moradias sem uso é o dobro do número de famílias que precisam de uma habitação menos onerosa ou em condições adequadas. Em BH, o quadro se repete: um déficit de 56 mil residências, segundo dados citados pela prefeitura em projeto de lei apresentado neste ano aos vereadores, e 109,05 mil imóveis desocupados, conforme o IBGE.

Segundo o coordenador técnico do Censo 2022 em Minas, Humberto Sette, a classificação inclui os imóveis particulares onde não havia ninguém morando no momento em que a pesquisa foi realizada. São excluídos aqueles ocupados de forma intermitente, ou seja, por períodos determinados.

Para Sette, uma das explicações para o quadro atual é o crescimento do setor de construção civil, tendo imóveis como opção de investimento, e não somente para habitação. O cenário levou à alta do número de unidades habitacionais disponíveis, porém elas estão concentradas nas mãos de algumas famílias, que visam fazer renda com venda e locação desses imóveis. “E essa condição tende a se manter fixa ao longo do tempo. Há muitos apartamentos que estão à venda ou para alugar, esperando o momento de melhor rentabilidade. É o mercado”, afirma.

Os imóveis vazios, em sua maioria, estão em boas condições de uso. “Em BH, 56,1% dos imóveis vagos são casas, e 38,2% são apartamentos. Os degradados são 1,7%”, afirma o pesquisador.

Além dessas residências desocupadas, há ainda as habitações completamente abandonadas. A PBH não informa quantas unidades são, mas aponta como uma alternativa o reaproveitamento de velhas construções: o retrofit – uma reforma de prédios antigos a fim de modernizá-los. Um Projeto de Lei (PL) aprovado na Câmara dos Vereadores em setembro flexibiliza as regras para a construção desse tipo de empreendimento e, embora não foque somente habitações populares, estimula o direcionamento deles a políticas habitacionais. “Por que não fazer um retrofit para custar R$ 100 mil, R$ 200 mil? Para mim, o retrofit com apoio da prefeitura não deveria ser para venda, mas um patrimônio para abrigar as famílias mais necessitadas”, propõe a arquiteta e ex-secretária nacional de Habitação Maria Henriqueta Alves.

O diretor-geral da Agência Metropolitana, Marcus Vinícius Mota, concorda que a solução não a apenas pela oferta de moradias a preços populares. “Existem perfis socioeconômicos diferentes do déficit habitacional, com famílias de baixa renda que, infelizmente, não têm condições de adquirir moradias. Essas iniciativas de provimento, seja por meio da produção imobiliária ou pela utilização de imóveis ociosos, serão essenciais para enfrentar o déficit”, afirma.

Governo cria um plano para a região metropolitana

Garantir moradia digna, mapear problemas e estabelecer diretrizes de resolução. Esses são os objetivos do Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PMHIS-RMBH) em desenvolvimento pelo governo de Minas. Na fase de diagnóstico, já finalizada, o projeto elaborou um documento, ado pela reportagem, com mais de 500 páginas.

O arquivo trata de questões relacionadas a moradia, transporte, saúde, educação e saneamento básico nas 34 cidades da Grande BH e nos 16 municípios do colar metropolitano. O material embasa esta reportagem especial ao evidenciar o que o governo vê como problema a ser resolvido para sanar o déficit habitacional. O plano está na fase de apresentação das diretrizes. Conforme o diretor geral da Agência Metropolitana, Marcos Vinícius, estão incluídas ações de médio e longo prazos. “Estamos construindo programas e projetos para um horizonte de dez anos, com ações imediatas e outras de efeitos duradouros”, diz.

O PMHIS-RMBH se organiza em três dimensões principais: a institucional, a de produção e demanda e a territorial. Para Vinícius, o fortalecimento dos mecanismos de governança interfederativa é essencial para garantir que o plano atenda às particularidades de cada cidade e que os municípios tenham e técnico para desenvolver soluções habitacionais. “Nossa intenção é desenvolver, junto aos municípios, ações que ampliem o o à moradia”, ressaltou. A estratégia é tornar o PMHIS-RMBH uma referência para os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de cada município, pensando na integração com os demais.

“O plano vai lançar luz sobre o recorte metropolitano para mitigar e combater a situação que temos hoje”, diz Vinícius. A expectativa é que todas as etapas estejam finalizadas ainda neste ano, conforme o contrato. “As ações serão distribuídas entre diversos atores do Estado e os próprios municípios”, afirma.

*Essa matéria compõe o caderno especial Habitar, com reportagem de Gabriel Rezende, Gabriel Rodrigues, José Vítor Camilo, Juliana Siqueira, Raissa Oliveira, Raquel Penaforte e Tatiana Lagôa; edição de Karlon Aredes e fotos de Alex de Jesus, Fred Magno, Thomás Santos e Flávio Tavares.