A distância excessiva entre a casa e trabalho significa horas no trânsito para a população em geral. Torna o dia bem mais exaustivo e provoca redução de oportunidades de emprego e estudo. Para os empresários, também é uma questão, que impacta diretamente os custos e a gestão. Há quem precise pagar mais caro para que os funcionários residentes em cidades vizinhas cheguem ao trabalho, e há os que reduzem o horário de expediente em função da limitação de horários dos ônibus. Em uma escala maior, isso significa um impacto direto na economia, com geração de menos riqueza e empregos.
O restaurante Bolão, no bairro Santa Tereza, na região Leste, fez história em Belo Horizonte como um bar praticamente sem hora para fechar. Muitos boêmios saíam de festas e terminavam a noite com os tradicionais pratos da casa. Situação que foi alterada nos últimos anos, como conta a sócia do estabelecimento Karla Rocha. “O restaurante funcionava durante a madrugada antes da pandemia. Agora, não fechamos mais tão tarde porque não conseguimos mão de obra perto. Grande parte dos trabalhadores do setor (de bares e restaurantes) vem da região metropolitana. E em determinados horários não há mais ônibus disponíveis para voltar para casa. Sem contar o tempo de deslocamento, que impossibilita algumas pessoas de aceitar empregos em determinados locais e horários”, conta.
Karla também preside a Associação de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel) e explica que esse não é um problema vivido apenas pelo Bolão. “A maioria dos estabelecimentos teve que readequar o horário de acordo com a quantidade de funcionários que consegue encontrar. Praticamente todo o setor de alimentação está contratando garçom, chapista, copeiro e cozinheira. Isso impede o setor de crescer com todo o potencial que teria. Imóveis mais íveis (aluguel mais barato), em regiões com mais estrutura e demanda de mão de obra, é o sonho de todo o setor”, diz.
Proprietário do Saboreando Restaurante, no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste, Saulo Vidigal não sabe contabilizar todas as ocasiões em que teve dificuldade para contratar alguém. Ele também não enumera às vezes em que funcionários pediram demissão por morarem em bairros distantes ou em cidades da Grande BH, como Igarapé ou Santa Luzia. Entre aqueles que resistem e permanecem no emprego, há uma necessidade de lutar contra o cansaço por morarem tão distantes do local de trabalho.
“As pessoas que vivem em locais mais afastados ou em outras cidades precisam enfrentar um trajeto muito longo para o trabalho. Além disso, há o complicado trânsito de Belo Horizonte. Tudo isso faz com que elas percam muito tempo nos ônibus, gerando um cansaço e um desgaste muito grandes. E, claro, elas não querem viver só para trabalhar. As pessoas estão querendo qualidade de vida, trabalhar perto de onde moram, mas em Belo Horizonte não tem essas condições”, analisa o empresário.
Vidigal conta que recebe vários currículos, mas, como as pessoas moram longe, acabam desanimando com a situação. “Isso porque o meu restaurante funciona no horário diurno. No noturno, é ainda mais complicado”, afirma ele.
Conforme Vidigal, a situação tem feito com que os colegas do setor tenham que fechar seus estabelecimentos bem mais cedo, uma vez que os funcionários não conseguem voltar para casa mais tarde – além da distância, falta transporte coletivo. “BH ‘está parando’ às 23h, meia-noite, porque os trabalhadores não têm como ir embora para casa. A ‘capital dos bares’ está ficando desse jeito. É uma situação bem difícil”, lamenta ele.
Vice-presidente de relações institucionais da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcos Innecco reconhece a mesma dificuldade para contração de funcionários no comércio de forma geral. Ele explica que a moradia distante do local de trabalho encarece os custos para o empregador, além de impactar a saúde do funcionário. “O trabalhador que enfrenta longos deslocamentos acaba sofrendo consequências na saúde física e psicológica, como estresse e cansaço, perdendo tempo que poderia ser dedicado a si mesmo e à família”, acrescenta.
Além do tempo de deslocamento perdido, quem trabalha distante de casa enfrenta outro problema: o custo com alimentação fora do lar, um dos fatores que mais impactam o custo de vida da população em Belo Horizonte, segundo o economista Diogo Santos, do Instituto de Pesquisas Econômicas e istrativas (Ipead).
Entre julho de 1994 e junho de 2024, comer fora de casa ficou bem mais caro do que comer na própria residência. O crescimento acumulado no período dos dois recortes é de 1.132,03% e 979,87%, respectivamente. “Isso afeta tanto os trabalhadores que precisam comer fora quanto as empresas que fornecem vale-alimentação e dividem esse custo com o trabalhador”, pontua o economista.
O diretor-geral da Agência Metropolitana, Marcus Vinícius Mota, concorda que o déficit habitacional afeta diretamente a economia das cidades e pode criar uma hierarquização entre cidades mais desenvolvidas e aquelas que surgem apenas como opção de dormitório, sem investimentos e oportunidades dignas de emprego, renda, o à saúde e educação de qualidade. “A região metropolitana enfrenta desafios nesse sentido”, avalia.
*Essa matéria compõe o caderno especial Habitar, com reportagem de Gabriel Rezende, Gabriel Rodrigues, José Vítor Camilo, Juliana Siqueira, Raissa Oliveira, Raquel Penaforte e Tatiana Lagôa; edição de Karlon Aredes e fotos de Alex de Jesus, Fred Magno, Thomás Santos e Flávio Tavares.