LADEIRA ABAIXO

Déficit habitacional em Minas cresce o triplo da média nacional

Em Minas, houve alta de 97,3% na quantidade de pessoas em moradias precárias; no país, aumento foi de 29,7%

Nos canteiros e jardins, barracas de plástico. Nas esquinas e debaixo de marquises, cobertores e papelões. Os “lares improvisados” têm sido vistos com maior frequência nos arredores de Belo Horizonte e região metropolitana. Eles estão ali, em áreas bem centrais, como um lembrete de que o encarecimento do aluguel, a falta de oportunidades, o aumento do custo de vida e a dificuldade de o à renda não estão s às áreas periféricas. Se para as camadas economicamente mais sensíveis o que restou foi o relento, para a classe média a coabitação avança e justifica parte da alta de 30% no déficit habitacional de Minas Gerais em seis anos, entre 2016 e 2022, conforme dados da Fundação João Pinheiro (FJP), divulgados neste ano. O déficit de 556,68 mil unidades habitacionais de Minas significa que famílias de diferentes classes sociais, origens e histórias vivem em habitações precárias, pelas ruas, dividem moradia ou gastam boa parte da renda com pagamento do aluguel.

O crescimento de 30% do déficit nas cidades mineiras foi o maior do Sudeste e fez o Estado saltar da terceira posição para a segunda entre as unidades federativas com maior déficit habitacional do país, ultraando o Rio de Janeiro. São Paulo segue na liderança. No Brasil, o indicador cresceu 9,86%, ando de 5,65 milhões para 6,21 milhões. Ou seja, o déficit em Minas cresceu três vezes acima da média nacional.

A falta de moradia é um fenômeno com causas diversas. Para Gislésio Silva, 45, viver em um amontoado de tapumes, placas grandes, de diferentes materiais, que formam as paredes e o teto da moradia, foi a opção encontrada para manutenção da saúde: “Entre ter casa e comprar remédio, eu prefiro isso aqui”, diz, referindo-se ao local que chama de lar, às margens da Via Expressa, no bairro Califórnia, na região Noroeste de BH. Ele viveu em uma casa alugada, até que o salário mínimo mensal deixou de ser suficiente para pagar aluguel, comida, outras despesas de casa e os remédios que ele toma em função de uma hérnia abdominal.

Gislésio é só mais um no grupo de 158,08 mil mineiros que vivem em moradias improvisadas. A pesquisa da FJP, que serve como referência nacional para a formulação de políticas públicas, leva em conta domicílios improvisados, com condições precárias, unidades conviventes (com mais de uma família) ou imóveis habitados por quem ganha até três salários mínimos e compromete 30% do salário com o aluguel, segundo o pesquisador da fundação, Frederico Poley.

A condição de Gislésio é mais visível, uma vez que a casa precária está em uma área de grande movimentação da cidade. Mas, a quase 10 km dali, em um dos disputados e estruturados apartamentos do Barro Preto, na região Centro-Sul de BH, a assistente istrativa Andrea Moreira, 37, também está no déficit habitacional – ela e mais 78,59 mil moradores do Estado que dividem o imóvel com outras famílias. Existem ainda cerca de 310 mil pessoas que gastam 30% do salário com o aluguel no Estado.

Andrea encontrou no compartilhamento da residência uma solução para morar em um local estruturado e pagar um valor ível para ela. “Não abro mão de morar no centro por causa da proximidade com toda a rede comercial e estabelecimentos que fazem parte do meu dia a dia. Se eu tivesse esse mesmo o aos meios básicos em locais mais afastados, eu consideraria me mudar”, diz.

Essa necessidade que ela sente de morar perto de onde há melhor estrutura explica parte da origem do déficit habitacional. “Cerca de 50% do déficit está no entorno de BH. É um fenômeno de crescimento não ordenado da região metropolitana. Mas não queremos que tudo fique concentrado apenas na capital”, diz o diretor-geral da Agência Metropolitana, Marcus Vinícius. Ou seja, não se trata apenas da falta de moradia. Habitar, como o nome desta reportagem indica, diz respeito a oportunidades de emprego, estudo, o à saúde, transporte e condições dignas de sobrevivência, com consequente desenvolvimento econômico e social.

População em situação de rua triplica no Estado

Apesar de servirem como uma referência importante do quadro de déficit habitacional, os números levantados pela Fundação João Pinheiro deixam de fora outro dado relevante para medir o problema da moradia no país: o número de pessoas em situação de rua.

Em Minas Gerais, a quantidade de pessoas que vivem nas ruas quase triplicou de 2016 a 2022, ao ar de 8.718 para 25.927, segundo o Ministério dos Direitos Humanos. Dessas, 11.826 estão em BH. Na capital, 24,58% delas foram para a rua por causa de perda da moradia. “Parte dessa situação é reflexo da crise após a pandemia”, diz a gerente de incidência em políticas públicas da Habitat Brasil, Raquel Ludermir. 

*Essa matéria compõe o caderno especial Habitar, com reportagem de Gabriel Rezende, Gabriel Rodrigues, José Vítor Camilo, Juliana Siqueira, Raissa Oliveira, Raquel Penaforte e Tatiana Lagôa; edição de Karlon Aredes e fotos de Alex de Jesus, Fred Magno, Thomás Santos e Flávio Tavares.