Morar longe do trabalho, enfrentar horas no trânsito e encarar o transporte coletivo lotado são desafios cotidianos de quem é obrigado a buscar moradias de menor custo na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso ocorre porque a maior parte dos empregos e dessas residências está em áreas diferentes. Atualmente, BH, Contagem, Betim e Nova Lima concentram, coletivamente, 78% dos empregos formais ofertados nos 34 municípios que formam a região metropolitana. Na prática, isso significa maior migração de pessoas das áreas mais distantes em direção às mais centrais e, consequentemente, maior pressão no sistema viário e necessidade de investimento em transporte coletivo de qualidade.
O arquiteto e urbanista Sérgio Myssior explica que isso ocorre porque as cidades são montadas por camadas, com as oportunidades de trabalho em áreas mais centrais, onde a moradia também é mais cara. A situação, segundo ele, faz com que pessoas de menor renda sejam “empurradas” para as periferias e os municípios do entorno. “A região Centro-Sul é onde estão as maiores oportunidades de trabalho e dá o aos melhores equipamentos de saúde, educação, segurança, ofertas de cultura e entretenimento. Contagem, Betim e Nova Lima são municípios que, num caráter secundário ao da capital, também conseguem ter isso. Mas as pessoas que têm menor renda ficam condicionadas a morar na periferia e nos outros municípios. Ou seja, longe do emprego e do o a serviços básicos”, pontua.
Dados do Plano Metropolitano de Habitação e Interesse Social da RMBH apontam que mais de 3 milhões de viagens são registradas por dia entre os limites municipais, seja por veículo próprio, seja por transporte coletivo. A capital lidera o ranking de destino com mais deslocamentos, com 30% do total, seguida por Contagem (17,2%) e Betim (7,6%). Parte desses deslocamentos é feita por ônibus ou metrô. Segundo a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra), o transporte metropolitano realiza cerca de 10 mil viagens diárias, levando aproximadamente 570 mil ageiros. Já o metrô de BH atende por volta de 100 mil usuários nos dias úteis.
Erica Guedes, 34, era moradora de BH, mas o custo do aluguel a obrigou a se mudar para Ribeirão das Neves. Agora, ela enfrenta rotina intensa no transporte coletivo. “Levanto às 5h para conseguir pegar o ônibus às 5h30. Mas tem dias que atrasa”. A revisora Lorrany Cristina da Silva, 24, também vê seu dia encolher ao gastar uma hora e 30 minutos de ônibus em um trajeto feito em 30 minutos de carro. “Moro em São José da Lapa e trabalho em BH. A discrepância da quantidade de tempo sobrando que tenho quando trabalho em casa em relação a quando trabalho presencialmente é absurda”, disse.
Para o integrante do movimento Tarifa Zero André Veloso, as falhas ocorrem devido a um sucateamento dos ônibus e à falta de outros modais de transporte. “Se a idade-limite da frota é de 11 anos em BH, na região metropolitana a para 18 anos. O sistema teria que ser mais abundante e ter outros modos, como trem metropolitano”, cobra.
O líder da Superintendência de Mobilidade (Sumob) de BH, André Dantas, ite que o sistema de transporte, tanto viário quanto público, está sob pressão e precisa se adaptar para comportar os deslocamentos. “Na cabeça das pessoas leigas, combate-se o congestionamento construindo mais vias e colocando semáforos inteligentes. ‘É como combater a obesidade comprando calça elástica’”, disse.
O especialista em trânsito Silvestre Andrade avalia que os problemas de mobilidade de BH e região metropolitana podem ser parcialmente solucionados com a redução da necessidade de locomoção por meio da criação de “centros urbanos”. Ele não descarta a necessidade de rodízio de veículos, como o adotado em São Paulo, para reduzir o trânsito da região metropolitana em um futuro próximo. “Fazer restrição com rodízio e pedágio urbano é uma opção que não pode ser descartada. Não tem como alargar vias o tempo todo”, finaliza.
Em nota, o Sindicato das Empresas de Transporte de ageiros Metropolitano (Sintram) afirmou que trabalha diariamente para promover melhorias no sistema de transporte coletivo de ônibus metropolitano. Com escuta ativa à população.
Destino. A pesquisa de Origem-Destino do Plano Metropolitano de Habitação da RMBH mostra número de viagens (deslocamentos) diários nos municípios. Confira:
Contagem: 522 mil
Ribeirão das Neves: 230 mil
Betim: 229 mil
Ibirité: 141 mil
Santa Luzia: 117 mil
Sabará: 114,5 mil
Nova Lima: 112,2 mil
*Essa matéria compõe o caderno especial Habitar, com reportagem de Gabriel Rezende, Gabriel Rodrigues, José Vítor Camilo, Juliana Siqueira, Raissa Oliveira, Raquel Penaforte e Tatiana Lagôa; edição de Karlon Aredes e fotos de Alex de Jesus, Fred Magno, Thomás Santos e Flávio Tavares.