ALTERNATIVA

Bairro ideal é autônomo e com diversas classes, diz especialista

Alternativas para o déficit vão além de políticas públicas, e aluguel pode se tornar um trunfo

Com um histórico rastro de segregação itido pelo poder público, pelo mercado e por pesquisadores, Belo Horizonte tenta estancar a expulsão de seus moradores e desenhar alternativas para reverter o déficit habitacional. Essas soluções am por parcerias com o governo federal, alianças da prefeitura com a iniciativa privada e novos usos de velhos espaços. Esbarram, em muitos casos, em divergências sobre os rumos do planejamento da cidade. “O bairro ideal é misto, com residências de classe média, de ricos, de classe baixa, escritórios, comércio. Essa é a cidade ideal, e não a formada por guetos. Uma cidade precisa ser economicamente diversa. A diversidade cria dinâmica econômica”, defende a urbanista e ex-secretária de Regulação Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte Branca Macahubas.

Um dos sinônimos de habitação popular, o programa Minha Casa, Minha Vida foi, por muito tempo, criticado por urbanistas devido à distância entre seus grandes condomínios e os centros urbanos. A questão foi contornada na revisão do programa, apresentada pelo governo federal em 2023, que agora privilegia construções no perímetro urbano. Em BH, cerca de 2.800 novas moradias, divididas em 16 conjuntos habitacionais, estão em diferentes estágios de contrato com o governo federal, de acordo com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel). Em outubro deste ano, a prefeitura anunciou a construção de 600 apartamentos no bairro Bandeirantes como parte do programa.

“Tem que haver um programa habitacional que não invista em lugares distantes e em grandes conjuntos, porque isso já foi muito criticado. Deve haver uma política habitacional não só de casa, mas de infraestrutura, com unidades menores em regiões mais centrais”, analisa a pesquisadora do Observatório das Metrópoles Luciana Teixeira de Andrade.

Em BH, os Convênios Urbanísticos de Interesse Social tentam endereçar essa questão. A prefeitura abre editais para construtoras desenvolverem projetos em terrenos públicos, que, então, são entregues ao município para políticas de habitação social – na prática, casas gratuitas para a população mais vulnerável. O primeiro desses terrenos é na avenida Antônio Carlos, no bairro Lagoinha, onde antes funcionavam ferros-velhos. Outro será próximo à estação São Gabriel, na região Nordeste. No total, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano prevê chegar, em 2025, a sete convênios.

Aluguel

O sonho da casa própria é uma alternativa para escapar ao incessante aumento do aluguel, que empurra famílias ao déficit habitacional. Ao mesmo tempo, o aluguel pode ser uma solução – desde que faça parte de uma estratégia. É o que defende a arquiteta e ex-secretária nacional de Habitação Maria Henriqueta Alves.

“Tem que haver políticas públicas que incentivem a disponibilização de mais unidades para aluguel”, enfatiza. Ela pondera que pagar parte da locação das famílias não basta, porque muitas vezes elas utilizam esse recurso para custear um aluguel em uma área barata da cidade, mas sem infraestrutura – o que pressiona ainda mais os preços nesses locais desassistidos. Hoje, a PBH contribui com até R$ 500 para o aluguel de 201 famílias.

Plano Diretor de BH: vilão ou saída para a cidade?

O Plano Diretor de BH é o maior vilão ou uma solução para o dilema habitacional de BH, dependendo de quem fala sobre ele. Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Raphael Lafetá, a lei que determina as normas do desenvolvimento urbano da capital é um entrave. “Ela não favorece o desenvolvimento imobiliário em BH. Temos construções de todos os tipos, mas o volume deveria ser bem maior”, diz. O principal ponto de embate é o coeficiente de construção imposto pelo plano, isto é, o limite de área que pode ser construído em um terreno. É possível ultraá-lo, desde que se pague por isso. 

O plano iguala esse coeficiente para toda a cidade, o que a prefeitura avalia ser um trunfo para o futuro. “Quando o plano propõe o mesmo coeficiente para toda a cidade, tenta, ao longo do tempo, uniformizar o preço dos terrenos nela toda. Existe a diretriz de fazer a cidade para todo mundo. Para isso, temos que equalizá-la”, diz a diretora de Planejamento da Companhia Urbanizadora e de Habitação de BH (Urbel), Maria Cristina Magalhães.  

Muitos centros 

Um ponto em cada uma das nove regionais de BH será escolhido para receber alguma mudança, sejam reformas, novas feiras ou melhorias para os comerciantes, por exemplo. É o projeto de centralidades da prefeitura, iniciado primeiro com a rua Sapucaí, na regional Centro-Sul, e depois com a praça do Samba, no bairro São Paulo, na regional Nordeste. “A ideia é fomentar não só a produção habitacional, mas a econômica e comercial, e criar nessas áreas centros de desenvolvimento para mais pessoas residirem nessas regiões e se aproximarem das atividades cotidianas, do trabalho”, diz o subsecretário municipal de Planejamento Urbano, Pedro Maciel.

*Essa matéria compõe o caderno especial Habitar, com reportagem de Gabriel Rezende, Gabriel Rodrigues, José Vítor Camilo, Juliana Siqueira, Raissa Oliveira, Raquel Penaforte e Tatiana Lagôa; edição de Karlon Aredes e fotos de Alex de Jesus, Fred Magno, Thomás Santos e Flávio Tavares.