OCUPAÇÃO

Área usada para criação de animais torna-se vila em BH

Espaço sob viadutos na Via Expressa abriga 22 famílias em lares improvisados

Quem a pela avenida Presidente Juscelino Kubitschek, popularmente chamada de “Via Expressa”, na altura do bairro Carlos Prates, na região Noroeste de Belo Horizonte, talvez já tenha reparado na quantidade de cavalos que vivem soltos por lá. Em meio a materiais recicláveis e algumas árvores, uma cerca de arame farpado impede que os animais invadam a avenida. O que, a princípio, parece ser um criadouro de equinos, há algum tempo, porém, também tem sido usado para abrigar gente.

“Aqui tem 22 famílias, mais ou menos cem pessoas”, contabiliza Rosângela da Cruz, 64. Em um sobrado simples, feito de tijolos e coberto por telhas, ela, a filha e a neta juntam os pertences dentro do espaço, transformado em lar. “Achei esse lugar e ocupei. Cheguei, marquei um pedacinho para mim e coloquei a lona. Sofri demais. A polícia vinha, jogava no chão, e eu persistia”, diz a idosa, enquanto segura a neta nos braços. As duas estão sentadas em uma cadeira antiga, destas que são usadas em escolas, mas que agora compõe o mobiliário local.

A família de Rosângela foi uma das primeiras a chegar à ocupação irregular batizada de “Vila Fazendinha”. Casas como a dela, feita de tijolos, ainda são minoria. Grande parte das que lotam o canteiro que divide a avenida e o rio Arrudas é feita de madeira, lonas e o que mais estiver disponível para servir de “material de construção”.

“Eu trabalhava olhando uma idosa, mas adoeci e perdi o emprego. Não consegui mais pagar o aluguel, estava caro demais. Com muito custo, consegui os materiais. Levantei os tijolos, coloquei a telha e estou aqui”, conta.

Logo na entrada na Vila Fazendinha, um descampado amplo, com partes em grama e loteamentos bem-definidos, diversos tapumes, pedaços de telhas, restos de objetos como geladeiras sem porta, arranhador para gatos, partes de brinquedos, vaso sanitário quebrado, entre outros itens de um antiquário desprezado pela sociedade, mostram que o local abriga vidas.

Todos os dias, antes de abrir o bar que possui do outro lado da avenida (em outra área ocupada de forma irregular), Silvio Ribeiro, 70, vai ajeitar o espaço que conquistou dentro da vila. A ideia é ampliar – em tamanho e em qualidade – a casa que um dia será usada pela filha e pelo neto. “Já tenho minha moradia, fica ali, debaixo daquele pé de árvore. Preciso só melhorar aqui um pouquinho para que minha filha venha com o filho dela. O menino é especial, ela ganha muito pouco, então eu estou sempre a ajudando de alguma maneira”, afirma.

Para que a mudança da filha dele aconteça, ele conta que é necessário fazer alguns ajustes, como instalar um piso e, se der, levantar paredes de tijolos. “Aqui não tem infraestrutura quase nenhuma. Não tem esgoto. Tem água e luz, mas porque a gente puxou”, afirma.

A Prefeitura de BH foi questionada sobre o acompanhamento da nova ocupação e respondeu em nota que “a área é de responsabilidade do governo do Estado”. “A Urbel vai realizar uma vistoria no local para averiguar a situação”, disse a prefeitura. O governo do Estado não havia se posicionado até o fechamento da edição.

‘Futuro? Como assim? Eu quero é uma casinha’, diz migrante

Os anos têm pesado cada vez mais para Cláudio das Dores Silva, 63. A vida nunca foi fácil para ele, mas, quando era mais novo e tinha trabalho, era possível ter um pouco mais de dignidade. Agora, pagar aluguel, por exemplo, ficou impossível, e a solução encontrada por ele e pela mulher, Leila Luzia dos Santos, 42, foi sair de Curitiba, no Paraná, onde pagavam R$ 600 ao mês por uma moradia, e tentar a vida em Belo Horizonte.

“Invadi. Arrumei um barraco para nós de dois cômodos, feito de madeira, e é só o que a gente tem. Se não fosse isso, a gente estaria debaixo do viaduto”, diz. Sem renda formal, ele conta que os “bicos” com reciclagem são o que garantem a comida do mês. “Uma mixaria, só dá para comer”, afirma.

Cláudio nunca teve um emprego formal, mas na juventude tinha mais disposição para conseguir renda. Hoje, aos 63, não vislumbra conseguir uma oportunidade, mas deseja que as coisas fiquem mais fáceis. “A gente é pobre mesmo. Vamos tentando uma coisinha aqui, pedindo uma cesta ali, vai no posto para conseguir remédio. Futuro? Como assim? Eu quero é uma casinha para morar”, diz, ao ser questionado sobre planos.

Histórico

Como surgiu. A ocupação teve início em 2020, quando moradores da Vila Calafate, na mesma região, sem condições de pagar aluguel, deixaram suas casas e foram ocupar o canteiro central da Via Expressa.

Projeto. A ideia partiu de alunos de arquitetura da PUC Minas. A Vila Fazendinha foi projetada por eles com casas modulares, feitas de madeira e outros materiais, que substituíram pedaços de lonas que os abrigavam antes.

*Essa matéria compõe o caderno especial Habitar, com reportagem de Gabriel Rezende, Gabriel Rodrigues, José Vítor Camilo, Juliana Siqueira, Raissa Oliveira, Raquel Penaforte e Tatiana Lagôa; edição de Karlon Aredes e fotos de Alex de Jesus, Fred Magno, Thomás Santos e Flávio Tavares.