Em 2014, Yara Addouch, atualmente com 40 anos, saiu da Síria, no Oriente Médio, junto com o marido, rumo ao<CW-25> Brasil, com a roupa do corpo e muita vontade de refazer a vida longe da guerra. Dez anos depois, já em terras brasileiras, ela se vê em outra batalha, também com risco de morte. Mas, desta vez, a luta é judicial, e o foco é manter o tratamento do filho, Alex Kara, de 1 ano e 10 meses, d</CW>iagnosticado com uma doença rara que o impede de crescer e se desenvolver.
Yara só conseguiu medicamentos quando a Defensoria Pública de Minas Gerais ajuizou e venceu uma ação que obrigou o governo a fornecê-los. O Instituto Vidas Raras estima que 85% dos remédios necessários para quem tem doenças raras são conseguidos apenas na Justiça.
Pela dificuldade de falar português, Yara não sabe dizer o nome da doença que acomete o filho. Mas os sintomas ela conhece bem: “Ele tem os músculos fracos e até hoje não consegue ficar de pé. Também tem pouco hormônio do crescimento, por isso é menor. Com o tempo ele vai sentir fome, comer e não se sentir saciado. Eu fugi da minha terra para ter uma vida mais tranquila. Aí vem a vida e traz novos desafios”, diz.
Em 2022 e 2023, o Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde acompanhou o atendimento de 6.945 processos judiciais de todo o país ligados a doenças raras que tramitaram na Justiça Federal, sendo 2.785 em 2022 e 4.160 em 2023. Os dados foram enviados pelo Ministério da Saúde, que, mesmo questionado há quatro meses sobre os números de 2024, não tinha atualizado os dados até o fechamento desta edição. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrou 96 mil novos processos relacionados a medicamentos, incluindo várias doenças, em todo o país, em 2024. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) foram 13,7 mil.
“A maior dificuldade para o Sistema Único de Saúde (SUS) é o custo do tratamento. Há doenças que afetam cinco pessoas no país e nem têm um tratamento definido por aqui. Às vezes, o médico nunca atendeu ninguém com a mesma doença nem sabe que tem medicamento. Quando as pessoas chegam aqui para pedir ajuda, já bateram de porta em porta e estão desesperadas por uma solução rápida”, explica a defensora pública Thaisa Amaral Falleiros.
Mas a definição nem sempre chega. “No ano ado, liguei para a mãe de uma criança para avisar que tinha saído um alvará, e ela me contou que o filho tinha morrido antes de conseguir o medicamento. É uma tristeza, mas às vezes acontece isso, sim”, lamenta.
Perder um filho enquanto tenta atendimento ou remédio é uma dor dilacerante que a mineira Evellyn Justino Andrade acaba de conhecer. Ela se despediu do filho Gael, de apenas 1 ano, na última quinta-feira. Gael não resistiu após meses de batalha para tratar a síndrome do intestino curto.
Ele nasceu em um hospital, no Sul de Minas, onde não havia estrutura para atendê-lo, e de lá nunca saiu, apesar das determinações judiciais de transferência. “Não tinha hospital referência para essa doença em Minas. É uma doença complexa por causa de o intestino estar para fora. Precisava de cirurgia, medicamentos, dieta específica. O juiz deferiu pedido de transferência e de bloqueio de recursos do Estado para garantir o tratamento. Mas não deu tempo”, conta a advogada que acompanhou a família do bebê, Valéria Souza. A mãe não conseguiu falar com a reportagem. “Ela está extremamente abalada”, explica a defensora.
O técnico de informática Jaderson Iachua Kaduz, 44, é pai de dois meninos que vivem com a síndrome genética rara Allan-Herndon-Dudley (AHDS), que tem cerca de 400 casos identificados no mundo. A doença causa deficiência intelectual e degeneração progressiva, afetando principalmente a mobilidade. Samuel, 18, é o único brasileiro com a síndrome que chegou à maioridade. Agora, os pais lutam para que Joaquim, de 4 anos, também alcance esse marco. Para isso, a esperança está em um medicamento em estudo pela ciência, que melhora as habilidades adaptativas dos pacientes, como tomar banho, vestir-se ou comer. No Brasil, no entanto, o medicamento é proibido, pois estava sendo utilizado de forma inadequada para emagrecimento. Com doações vindas da Argentina, onde o produto está disponível em farmácias, a esperança de Jaderson está na via judicial. “Vamos judicializar”, conta o pai.
A promotora de Justiça Giovanna Carone Nucci Ferreira, que coordena o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde), explica que não é um processo tão simples. “Tem critérios. Se um medicamento não tem registro, é preciso provar que não existe outro tratamento. Porque o SUS tem recursos finitos”, detalha.
Já que a vitória judicial nem sempre chega com o prazo ideal para garantir uma vida de qualidade aos doentes, a Defensoria Pública de Minas criou um projeto para doações de medicamentos e equipamentos, como cadeiras de rodas, por exemplo. Segundo Thaisa, a ação nasceu em agosto do ano ado, com a de um termo de cooperação com a ONG Remediar, que arrecada os insumos e tem como foco qualquer doença que gere demandas judiciais, como uma forma de acolhimento inicial.
A contadora Fabrícia Leal, 44, é uma das pessoas que têm esse apoio com medicamentos necessários para a filha, Maria Eduarda, 3. A menina tem síndrome de West, doença neurológica rara que causa espasmos epiléticos e atrasos no desenvolvimento. Ela chegou a fazer campanhas na internet para conseguir o dinheiro do medicamento. Enquanto aguarda decisão judicial, usa as doações da defensoria.