SAÚDE

Doenças raras: mães lutam por terapias, mas 30% das crianças não chegam aos 6 anos

Quadro, às vezes, pode ser alterado com o a terapias multidisciplinares

 

No primeiro mês de vida, um bebê começa a interagir com o ambiente, respondendo a luzes e sons. Com 1 ano, fica em pé e chama por “mamãe”. No aniversário de 5, entra na fase “dos porquês”, tomado pela curiosidade de explorar uma vida que só começou. Os marcos de desenvolvimento das crianças, no entanto, não são os mesmos para todas. Para aquelas que vivem com doenças raras, mais importante do que falar ou andar é respirar com os próprios pulmões, aprender a expressar a dor e, até mesmo, alcançar os 6 anos – um marco que, segundo o Ministério da Saúde (MS), para 30% dos diagnosticados, nunca é atingido.
 
Amora Ziller, ao nascer com lisencefalia tipo 1 – uma malformação cerebral rara conhecida como “cérebro liso”, que atinge um de cada 100 mil nascimentos no mundo –, assustou a família com a possibilidade de viver só até os 2 anos. Quando o diagnóstico foi dado, já tinham se ado 7 meses de uma série de internações e crises convulsivas.

A bebê ainda não engatinhava nem interagia durante as brincadeiras, marcos esperados para a idade. “Há pouquíssimos estudos sobre lisencefalia, e a expectativa de vida é de 2 anos. Lemos que a criança não iria andar, não iria falar, e ficamos assustados. Foi um momento de luto”, conta a mãe, Joana Ziller, 24.

A descoberta da doença antes do aniversário de 1 ano, no entanto, contrariou as estatísticas e pode ter salvado Amora. Hoje com 1 ano e 10 meses, ela já aprendeu a chamar pelos pais, responder a brincadeiras e engatinhar sozinha – resultado de uma rotina intensa com sessões de terapia ocupacional e fonoaudiologia.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), sete de cada dez síndromes raras acometem crianças. Mesmo que a maioria dessas condições esteja presente desde o nascimento, o diagnóstico atrasa, em média, cinco anos, o que contribui para o aumento da taxa de mortalidade. Um estudo publicado na “Revista Panamericana de Saúde Pública”, da OMS, indicou que 21% das mortes de crianças de até 5 anos nos países da América Latina e do Caribe são devido a anomalias que ocorreram durante a gestação.

“Pesquisas já provaram que a maior causa de morte infantil são as doenças raras no país e no mundo. Os pacientes ficam cinco anos na fila para um atendimento adequado, e 30% deles morrem no leito do Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma o presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), Antoine Daher. 

O especialista analisa que a desorganização do SUS no acompanhamento dessas crianças com doenças raras é um desafio que não acaba na fase adulta. Isso impacta a expectativa de sobrevivência delas e o bem-estar diário. Muitas delas precisam que os sintomas sejam amenizados e o avanço da doença, travado, porque para 95% das patologias não existe cura.

“Esses pacientes precisam de uma equipe multidisciplinar, mas não encontram atendimento integrado. Eles consultam um médico e, em seguida, demoram meses para conseguir autorização para ir a outros especialistas. Esse tempo de espera piora o estado de saúde deles”, diz. 

Pesquisa feita pelo Grupo Fleury em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (USP) mostra que metade das doenças raras, quando detectadas na infância, tem tratamentos que podem reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida das pessoas acometidas por elas. Há casos em que uma simples suplementação de vitamina na infância pode mudar histórias de vida. 

Mas, na prática, até chegar a um especialista, o paciente já está em grau avançado da enfermidade. Pedro Casagrande, 17, tem distrofia muscular de Duchenne, uma doença rara genética, que causa degeneração muscular progressiva. Quando ele ainda era bebê, sua mãe buscou um diagnóstico ao perceber que o menino “caía demais” e apresentava atraso para andar.

Hoje, depois de ter perdido todos os movimentos, Pedro vive acamado e em cuidados de home care. “Pelo SUS, ficamos dois anos esperando por consulta especializada, que só conseguimos na Justiça. Pelo plano de saúde, pagamos R$ 3.000 e negam várias terapias”, diz a mãe, Márcia Casagrande.