Sabe aquela habilidade de fuçar a internet para achar programas, conhecer as potencialidades das redes sociais e interagir com novos aplicativos? Para quem é da geração Z (16 a 30 anos) e trabalha no comércio, essa é a principal vantagem do ponto de vista do empregador. Já para quem está acima dessa idade, a responsabilidade é a qualidade mais citada pelos lojistas. “Não se trata de quem é melhor ou pior. As empresas precisam valorizar o ponto forte de cada geração e tirar proveito disso”, afirma o estatístico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio-MG), Devid Lima da Silva.
A verdade é que, independentemente de gerações, os contratantes terão que encarar vantagens e desafios. Mas quais são eles? A reportagem de O TEMPO foi buscar essas respostas e entrevistou cem comerciantes de cinco regiões diferentes da Grande BH: Centro-Sul, Nordeste, Pampulha, Noroeste, além de Contagem.
Segundo o levantamento, o maior desafio em relação aos funcionários mais jovens é que eles não costumam ficar muito tempo no emprego e, para 34% dos entrevistados, essa é a principal insatisfação. “Os mais novos enxergam o trabalho como um recurso para alcançar o que desejam. Eles priorizam a qualidade de vida e são bem mais autocentrados. Então, se tem algum motivo no trabalho que compromete isso, eles não querem mais e não têm problema em trocar de emprego”, analisa o especialista em gestão de pessoas Ricardo Castanheira, cofundador da Gestores de Sonhos.
De acordo com Castanheira, é preciso considerar o recorte histórico para entender melhor as diferentes características geracionais. “Enquanto os baby boomers (mais de 60 anos) e a geração X (de 43 a 60 anos) estavam mais focados na estabilidade e no pragmatismo, os millennials foram aprendendo a se adaptar. Já a geração Z (de 16 a 30 anos) é mais imediatista e valoriza a flexibilidade”, explica.
No caso dos trabalhadores mais velhos, a rotatividade não é tão questionada. O ponto mais fraco indicado pelos contratantes é a resistência à tecnologia, citada por 21% dos entrevistados. Se para essa faixa etária o avanço tecnológico é uma dificuldade, entre os mais jovens a facilidade de lidar com essas mudanças é apontada como a principal vantagem. No levantamento da reportagem, 54% dos entrevistados citam as habilidades com tecnologia como a maior qualidade da geração Z.
Na avaliação de Castanheira, o defeito de uma geração pode ser a qualidade de outra porque os contextos em que cresceram são totalmente diferentes. “Os baby boomers e a geração X nasceram em um mundo mais lento, mas previsível. Os millennials são da transição. Eles não nasceram em um mundo digital, mas tiveram que se adaptar rápido às mudanças. Já a geração Z é nativa digital, então a facilidade deles com tecnologia é infinitamente maior. Se você falar para eles que já viveu sem celular, eles nem vão acreditar”, explica.
Assim como as gerações Z e millennials têm pontos divergentes, elas também têm questões em comum. A dificuldade de receber ordens aparece como desafio para ambas as faixas etárias, citada por 19% em relação aos millennials e por 29% em relação à geração Z.
Para Castanheira, o fato de essa resistência aparecer nas duas gerações pode ser explicado pelo preconceito duplo. “É comum que cada geração ache que o que ela faz é que é o certo. Então, se uma pessoa mais velha tem um chefe mais jovem, pode ter dificuldade de acatar ordens. Mas, se for o contrário, o jovem também tem preconceito de seguir o que aquela pessoa está falando, porque considera ultraado”, diz. Entretanto, para Castanheira, ainda existe outra explicação. “Se é um desafio que aparece nas duas faixas etárias, pode ser que o problema não seja de nenhuma geração, mas sim da forma como os líderes estão comunicando essas ordens”, considera.
O que pode estar faltando nas lideranças é exatamente o que elas apontam como a maior falha dos funcionários. A pesquisa “Contratações no Comércio Varejista”, realizada pela Fecomércio-MG, mostra que 65,8% dos comerciantes consideram a comunicação uma das principais habilidades exigidas para trabalhar em uma empresa, mas reclamam que principalmente os mais jovens não sabem se comunicar bem. “E isso é mais característica da geração Z, que tem outra forma de se comunicar. Só que essa habilidade é essencial para o comércio, pois, se você não a tem, como vai lidar com o público?”, avalia a economista da Fecomércio Fernanda Gonçalves.
Para 67,1% dos comerciantes, o pior entrave é a falta de qualificação. No entanto, 75% dos lojistas não enxergam a capacitação como um investimento prioritário, segundo mostra a pesquisa da Fecomércio-MG. E esse é exatamente o principal ponto destacado pela economista Luciana Ferreira, que dá aulas de comportamento organizacional e liderança na Fundação Dom Cabral (FDC). Em pesquisas com gestores, ela costuma perguntar: “O que te impede de contratar os jovens que estão saindo do ensino médio?”.
Para Luciana, a resposta está nas mãos das empresas, que poderiam oferecer treinamento para conseguir a mão de obra de que precisam. “Se é uma questão de capacitação, a gente tem se perguntado por que as empresas não têm se prontificado a trabalhar no desenvolvimento dessas pessoas”, analisa.
Na visão da professora, isso acontece porque, normalmente, o empregador julga o papel de educar como responsabilidade única da escola e do Estado. “Dentro da educação para o trabalho, existe também o papel da empresa. Mas essas coisas andam muito desconectadas, e elas (as empresas) reclamam que não encontram mão de obra no mercado de trabalho, falam que não têm o que fazer, mas têm. Principalmente porque os empresários dependem desses jovens. A dependência não é só da empresa, mas de toda a sociedade, pois é a geração mais nova que vai sustentar a economia”, analisa.
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