Tradições de família mantêm Itália em Minas Gerais
Imigrantes e descendentes não dispensam costumes italianos, enquanto também se integram aos hábitos dos mineiros

Em BH, todo mundo tem um ‘pé na bota’”. A observação do historiador e especialista em imigração italiana Anísio Ciscotto traz à tona a forte conexão do país europeu - que tem o mapa em formato de bota - com a capital e com Minas Gerais. Há 150 anos, quando os primeiros imigrantes desembarcaram no Estado, os sobrenomes daqui e de lá se entrelaçaram em bonitas histórias de amor.
Costumes se mesclam e conexões se estabelecem na arte, na música, na gastronomia, nos detalhes cotidianos. Tudo isso faz com que o ‘pé na bota’, quando não pelo sangue ou pela descendência, exista por uma rica herança cultural e afetiva presente no dia a dia dos mineiros, que, por sua vez, também se doaram aos italianos.
Segundo Ciscotto, entre 1874 e 1920, cerca de 80 mil italianos desembarcaram em Minas Gerais. O Estado foi o terceiro a receber mais imigrantes italianos do país, atrás apenas de São Paulo e Rio Grande do Sul. Após essa época, outros momentos registraram um fluxo ainda maior de pessoas vindas da Itália, como no fim da Segunda Guerra Mundial e também na década de 1970. Eles vieram, sobretudo, para trabalhar nas fazendas de café e na construção de Belo Horizonte.
Por aqui, muitos constituíram família e deixaram seu legado, recheando o Estado de esperança. “Eles trouxeram muitas contribuições na arquitetura, na gastronomia. Os descendentes se estabeleceram, compraram terras, fizeram negócios e trouxeram muito deles para cá”, detalha Ciscotto.
Speranza Riccio, hoje com 68 anos, foi uma das italianas que vieram para Minas Gerais. Ela desembarcou em Belo Horizonte com a família aos 6 anos, quando o pai dela veio trabalhar no setor de padarias. Aos 17, Speranza viajou para a Itália e conheceu o marido, Nicola Riccio, hoje com 75 anos. Ele também veio para o Brasil, os dois se casaram e tiveram três filhos.
Um deles é o designer gráfico Graziani Riccio, de 45 anos, que diz ter ganhado muito na vida por pertencer a Minas Gerais e ao Brasil e por viver de perto também a cultura de outro país. Segundo ele conta, as tradições italianas estão presentes na vida cotidiana de todos os parentes, como os grandes almoços aos domingos, com uma grande família em volta da mesa.
Uma clara herança dos italianos e que muitos mineiros tomaram para si.
Acolhimento
“A cidade nos acolheu muito bem. Meus pais adoram aqui e não pretendem voltar para a Itália. Porém, ainda conservam diversas tradições italianas. Além das reuniões de família, meu pai mantém uma casa onde tem uma parreira, planta manjericão, entre outras coisas. Ainda tem a participação em festas religiosas. Todos esses hábitos são fruto de uma memória muito forte da Itália. Não perdemos o vínculo”, conta Graziani, que é casado com a publicitária brasileira Claudia Cordeiro, 45, e tem uma filha de 5 anos, Cecília.
Raízes
As grandes reuniões na “casa da avó” são também um hábito que a professora Patrizia Collina ressalta como um dos costumes italianos perpetuados pelas famílias mineiras. Hoje com três filhos e cinco netos, ela mantém a tradição reunindo a família. Patrizia chegou ao Brasil em 1972, com os pais e o irmão, após o pai, que trabalhava no Consulado da Itália na Suíça, ter sido transferido para o Estado. Poucos meses depois, ela entrou na faculdade e cursou letras. Também fez mestrado e doutorado, se tornou docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ensinou italiano por 30 anos, mantendo vivas as suas raízes.
Foi em Minas também que Patrizia viu alguns comportamentos dos brasileiros se transformarem, o que aponta para o intercâmbio cultural. Em algumas situações, essas mudanças no Estado tiveram muita relação com o que já se via na Europa e na Itália na época em que aconteceram, mostrando mais uma conexão entre diferentes povos.
“Quando cheguei aqui, muitas mulheres não trabalhavam fora de casa, diferente do que eu via lá fora. Dez, 15 anos depois, vimos mulheres se tornando empresárias, médicas, cientistas. Houve uma rapidez dos acontecimentos. iro muito as mulheres brasileiras”, conta.