Influência

Imigrantes italianos atuaram no desenho do plano de Belo Horizonte

Comunidade italiana deixa legado para arquitetura e identidade da capital

Por Alex Bessas
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00

Basta circular por Belo Horizonte com um pouco mais de atenção para perceber como a planejada capital mineira guarda em suas ruas, prédios e monumentos a influência da imigração italiana, que se intensificou no Brasil entre o final do século XIX e o início do século XX. Também, pudera: na cidade, as contribuições dessa população se fizeram presentes desde o seu nascimento.

 

 

 

 

“Eu costumo dizer que as contribuições da cultura da Itália para a edificação de BH surgem já nos primeiros traçados do plano-piloto da cidade, quando o engenheiro Aarão Reis convida o arquiteto italiano Luiz Olivieri, em 1895, para participar da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC)”, pontua o professor e pesquisador Ulisses Morato, docente na pós-graduação em conservação e gestão do patrimônio cultural da PUC Minas, acrescentando que a vinda dele foi de suma importância nesse processo.

 

“Além da atuação na construção civil, ele abre um escritório particular de arquitetura em uma ruela colonial do Curral Del Rei, onde, ironicamente, dedica-se a fazer projetos ecléticos – que era o que havia de mais moderno à época”, situa, acrescentando que o profissional trabalhou até sua morte, em 1937, deixando um legado de mais de 400 projetos, entre os quais estão o Palacete Dantas, de 1915, localizado na praça da Liberdade, e a antiga Estação Ferroviária Central do Brasil, de 1922, atual Museu de Artes e Ofícios.

 

 

Palacete Dantas, de 1915, localizado na região da praça da Liberdade, na capital mineira

 

O pioneirismo de Olivieri transborda para outras iniciativas. “Em 1911, ele monta a primeira exposição de arquitetura em BH. No mesmo ano, lança o livro ‘O Architecto Moderno no Brasil’, que acaba funcionando como um manual e levando a linguagem do ecletismo para outros lugares de Minas”, lembra o estudioso. Morato ressalta que, evidentemente, para além do traçado, no papel, os imigrantes italianos foram fundamentais nos canteiros de obras.

 

Informando que Minas Gerais foi o Estado que recebeu o terceiro maior fluxo desses imigrantes no país, atrás dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, ele classifica como natural o movimento dessa população rumo a BH. “Estamos falando de um território com grande presença italiana, que chegou a contar com um preposto em Gênova para captação de mão de obra”, reflete.

 

“Como era esperado, essas pessoas foram naturalmente atraídas para a nova capital, uma vez que a construção significou, à época, a abertura do maior canteiro de obras da América Latina desde a construção de La Plata, na Argentina”.

 

Casa D’Itália

 

Para o professor e pesquisador Ulisses Morato, um dos principais marcos da presença italiana em Belo Horizonte foi a Casa D’Itália, edificação construída em 1935, que, por décadas, ocupou o número 341 na rua Tamoios, no centro – “um projeto que coroava e saudava essa relação”, diz.

 

“De autoria conjunta do ítalo-brasileiro Luiz Signorelli e do italiano Raffaello Berti, que tiveram uma atuação muito significativa em BH, a Casa D’Itália tinha elementos do estilo art decó, que era o movimento arquitetônico da vez, e ocupou o lugar de outro belíssimo edifício eclético, que era a sede da Sociedade Italiana Beneficente em BH”, informa o estudioso.

 

Ele reflete ser curioso que o prédio tenha sido um dos primeiros a vitimar outra construção em razão da ideia de progresso. “Anos depois, ironicamente, essa mesma construção seria vitimada por essa mesma mentalidade, dando lugar a um hotel de estrutura mais verticalizada”, pontua.

 

Antes de ser demolida, o que aconteceu em 1988, a Casa D’Itália sofreria outros reveses. “Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado do grupo dos Aliados, o prédio ou a ser alvo de depredações, chegando a ser incendiado”, indica Morato, acrescentando que, depois disso, o lugar foi tomado pelo poder público, sendo sede, primeiro, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e, depois, da Câmara Municipal de Belo Horizonte.

 

“Com essa sucessão de acontecimentos, muitos acervos (documentos, fotos, registros e obras de arte) se perderam”, lamenta o arquiteto, sublinhando que, apesar da perda, muitas das marcas da influência italiana no desenho de BH seguem preservadas.