CINEMA

'A Pequena Sereia': Live action tem protagonista encantadora e novas músicas

Nova produção da Disney estreia nos cinemas após polêmica sobre a raça da atriz que vive Ariel

Por Paulo Henrique Silva
Atualizado em 27 de dezembro de 2024 | 18:51

 

A animação “A Pequena Sereia” foi lançada pela Disney em 1989. De lá para cá, muita coisa mudou, principalmente na abordagem de questões que envolvem gênero e raça. Com estreia nesta quinta-feira nos cinemas, o live action baseado no filme acertou ao colocar uma protagonista negra (Halle Bailey) no papel-título – por mais que os fãs conservadores reivindiquem os característicos cabelos vermelho-vivo presentes no desenho. E há outros atores negros no elenco, em papéis secundários, tanto do lado terrestre quanto aquático. 

Pouca gente tem mencionado que a voz da gaivota Sabidão, um dos alívios cômicos da trama, teve uma alteração de gênero. Na animação, o intérprete foi o comediante Buddy Hackett (de “Se Meu Apartamento Falasse” e “Deu a Louca no Mundo”). Agora, o papel coube a Awkwafina, a rapper americana de origem sino-coreana ganhadora do Globo de Ouro de melhor atriz em comédia/musical por “A Despedida”, em 2020. Essa mudança é fundamental para o resultado da melhor cena do live-action.

É quando Sabidão e Sebastian, o caranguejo tagarela que nos conquista pelo seu sentimento de carinho e proteção com Ariel, fazem dupla em “Scuttlebutt”, uma das três novas canções escritas especialmente para o filme. A música é um hip-hop que traz um bate-bola divertido de Awkwafina e do também rapper Daveed Diggs – a voz do protagonista de “Soul”. Mesmo se o filme não fosse “OK”, só essa sequência já garantiria uma olhada. “Scuttlebutt”, por sinal, já é favoritíssima ao Oscar da categoria de 2024.

Embora Halle Bailey se garanta nos vocais, em especial com a famosa “Part of Your World”, e na interpretação de Ariel, com seus trejeitos doces, as melhores sequências musicais estão mesmo com Diggs e Awkwafina. O momento em que a sereia e o príncipe tentam engatar um romance, com o tema de “Kiss the Girl”, chama a atenção pelo seu colorido, bom humor e edição.

O filme dirigido por Rob Marshall, que assina a sua primeira animação, freia esses avanços num quesito central, em torno do empoderamento da mulher. Não custaria nada ao império de Mickey Mouse tornar Ariel uma sereia menos inconsequente, capaz de tirar o sono do pai Tritão, e mais corajosa, sem temer se enveredar pelo desconhecido e vencer certos preconceitos. Embora ela fale de sua curiosidade pelo outro mundo, a questão está atrelada a uma visão romântica do tipo “a grama do jardim do vizinho é mais verde”.

É um tema caro, por exemplo, às últimas produções da Marvel, do mesmo grupo, como “Pantera Negra: Wakanda para Sempre”. Ou mesmo, para ficar ainda sob o guarda-chuva da Disney, com a Pixar, em “Luca”, cujo personagem-título não deixa de ser uma versão masculina de Ariel. Tanto Luca quanto Ariel, que moram no mar, não acreditam nos avisos aterrorizantes dos pais sobre os humanos. 

Embora tanta curiosidade tenha um preço, quebrar certos tabus num mundo ainda pautado por estereótipos sociais é uma virtude desses novos tempos. No caso de “A Pequena Sereia”, Ariel é menos uma heroína e mais uma garota ingênua carente do amor de um príncipe encantado para ser feliz – no caso, um monarca meio abobalhado que, como em “Cinderela”, quer encontrar a voz que lhe fez apaixonar. Na maior parte das cenas, Ariel é apenas conduzida, seja pela tia vilanesca (uma bruxa em forma de polvo) ou por um trio de desengonçados tutores marinhos.

O reino aquático poderia ser explorado, como na animação. Mas, para aumentar a sensação de sufocamento e opressão de Ariel em seu mundo, a produção preferiu tornar tudo mais escuro e exibir um menor número de personagens. Ainda assim, a Disney não caiu na tentação de transformar o pai da protagonista em um vilão. O espanhol Javier Bardem está bem na pele – e nas escamas – do rei Tritão, mas apenas quando está embaixo d’água.

As cenas finais em que ao rei aparece na superfície são mal produzidas – sem o auxílio dos efeitos especiais, ele não traz nada de majestoso. Por sinal, a sequência em que os seres do mar surgem à beira do continente parece ter saído do musical “Mamma Mia”, filmada de maneira grosseira. Depois de “Avatar: O Caminho da Água”, que estabeleceu um novo patamar em filmagens subaquáticas, dá para imaginar o quão grandiosa seria essa Atlântida nas mãos de James Cameron.