Quando o personagem de Richard Gere, um cineasta famoso à beira da morte, começa a contar a sua história para as câmeras de um documentário, a impressão é que "Oh, Canadá" (em cartaz nos cinemas) fará um longo flashback, entre o dia que ele saiu de casa, abandonando filho e uma esposa grávida, quando tinha pouco mais de 20 anos, e o momento atual, dizendo supostas verdades antes guardadas só para si.
Mas logo o diretor Paul Schrader deixa claro que o caminho que a narrativa irá percorrer será bem diferente, dividida não só entre o que acontece no ado e no presente, mas também trilhando pela memória do cineasta. Essa terceira via é tênue, falha, suspeita e incompleta. E para Schrader, roteirista de obras como "Touro Indomável" e "Taxi Driver", é o que mais lhe interessa como ponto de reflexão.
Ainda que o nosso olhar domesticado pelo cinema hollywoodiano queira preencher lacunas e completar a jornada de Leonard Fife (Gere), como se o diretor dentro do filme buscasse uma redenção em seu próprio veículo de trabalho (o cinema), mas o filme está mesmo falando de escolhas num momento específico da vida do protagonista antes de se tornar uma celebridade dos documentários.
Quando Fife imagina estar num bar da sua cidade natal ao lado das mulheres e famílias que se envolveu, esse desejo se torna mais evidente. Não importa mais o que se tornou, mas as relações que deixou para trás, sem constrangimento ou fidelidade, por puro egoísmo. Afinal, a ida para o Canadá, sozinho, nada mais foi do que uma deserção, para não ter que servir na Guerra do Vietnã.
O único trabalho de Fife como documentarista que é compartilhado pelo filme é sobre um padre abusador, conectando-se a uma frase do cineasta sobre se sentir como se estivesse numa igreja, fazendo preces, num ato que torna a mentira impossível. Juntas estabelecem uma dúvida que, a todo momento, a atual esposa (Uma Thurman) frisa: a mente dele estaria apenas criando fantasias.
O que seria real ou inverdade parece não importar muito a Schrader, que adota um narrador que nos surge tão alheio como qualquer outro personagem, na figura do filho que não via há mais de três décadas. Essa relação representa uma ausência que também não é preenchida pelo filme. Muito pelo contrário, chega a ser decepcionante como uma tentativa de contato é feita.O que
"Oh, Canadá" nos traz, de certa maneira, é um mundo de omissões que aponta, como o próprio filme que está sendo realizado, para algo inacabado. Já consumido pelo câncer, Fife só tem agora um pedaço de memória, talvez justamente a queira transformar ou deixar como despedida. Verdadeira ou não, é suficiente para entender que estamos diante de uma reflexão melancólica sobre a existência humana.