SAGA INESQUECÍVEL

'O Eternauta': Netflix estreia ficção científica argentina adaptada dos quadrinhos

Ricardo Darín, que quase não foi escolhido para papel principal por ser "velho", acabou sendo praticamente "um autor adicional"

Por Isis Mota
Publicado em 29 de abril de 2025 | 09:00

Ricardo Darín está para a TV e o cinema argentino como Antônio Fagundes está para o Brasil. É astro de primeira grandeza. E é a estrela de "O Eternauta", série que estreia na Netflix nesta quarta-feira (30). O ator, que quase perdeu o papel por causa de sua idade, acabou não só atuando, mas contribuindo com ideias para a produção. "Foi incrivelmente enriquecedor, e ele contribuiu não apenas como ator, mas quase como um autor adicional”, revela o diretor Bruno Stagnaro.

"Desde o início, Bruno (Stagnaro) me encorajou a filtrar o personagem através da minha própria personalidade", revela Ricardo Darín. "Achei isso extremamente notável: me deixar participar do processo criativo, me convidar a contribuir com ideias e até mesmo a moldar certas cenas. Atores raramente têm esse tipo de liberdade criativa", observa.

Mas essa história não começou assim. Quando o produtor Matías Mosteirín sugeriu Ricardo Darín para o papel pela primeira vez, o diretor achou absurdo.  "Principalmente porque a história é extremamente física — o protagonista da história em quadrinhos tem cerca de 40 anos, enquanto Ricardo tem mais de 60. Então, descartei a ideia de cara", conta.

Darín tirou de letra o desafio físico para interpretar o personagem principal, Juan Salvo, figura icônica da cultura argentina em torno de quem gira "O Eternauta", história em quadrinhos de ficção científica criada por Héctor Germán Oesterheld (1919-1977) e ilustrada por Francisco Solano López (1928-2011) lançada em 1957. 

Em uma noite de verão em Buenos Aires, uma misteriosa nevasca arrasa a maior parte da população. Juan Salvo e seus amigos sobrevivem porque estavam jogando truco em um porão, protegidos da neve mortal, e iniciam uma luta desesperada pela sobrevivência ao mesmo tempo em que tentam descobrir o que está acontecendo.

Ao contrário de todas as séries de apocalipse em cartaz, não há zumbis ou vírus letais. Quando compreendem que basta não ser tocado pela neve para sobreviver, o grupo de Juan Salvo percebe que o egoísmo é o grande inimigo. Nessa investigação sobre o comportamento humano que é "O Eternauta", ganância e instinto de sobrevivência transformam em malfeitores até seus vizinhos mais cordiais. A tragédia, porém, também revela coragem, determinação, capacidade de liderança, união por um objetivo comum e a habilidade de Juan Salvo com armas.

Nos quadrinhos, Salvo era reservista das forças armadas, o que nos anos 1950, pós-Segunda Guerra Mundial, era perfeitamente normal. Como o fim do mundo na série foi transposto para a era dos smartphones, os criadores de "O Eternauta" precisaram buscar uma maneira de preservar o espírito de uma história extraordinária vivida por pessoas comuns, ao mesmo tempo em que tinham que dar ao seu protagonista as habilidades para se tornar o líder de uma força de resistência.

Stagnaro encontrou uma solução justamente na diferença de idade entre o personagem dos quadrinhos e o ator Ricardo Darín. Para ele, havia uma história geracional, uma experiência compartilhada do ado coletivo da Argentina, que valia a pena resgatar. "Isso abriu a possibilidade para Salvo ter uma conexão com o mundo das armas em uma vida que ele havia pensado ter esquecido há muito tempo, mas que ressurge assim que a nevasca mortal começa, como um músculo há muito adormecido", acrescenta Stagnaro.


Robinson Crusoé foi inspiração inicial

"O Eternauta" é uma história de sobrevivência. Seu criador, Héctor G. Oesterheld, perseguido pela ditadura  argentina e desaparecido em 1977, era fascinado pela aventura de Robinson Crusoé, que leu mais de 20 vezes. "De início, 'O Eternauta' foi minha versão do Robinson. A solidão do homem, cercado, preso, não mais pelo mar, mas pela morte", escreveu o autor. "O resto cresceu por conta própria, como pensamos que acontece com a vida de todos os dias".

A história em quadrinhos foi publicada numa revista semanal, e constantemente alterada pela realidade, de forma que chegou ao fim sem um herói central. "O verdadeiro herói de 'O Eternauta' é um herói coletivo, um grupo humano", explicou o escritor. Ainda assim, o Juan Salvo de Ricardo Darín tem uma aura particular. “Um idealista. Um homem corajoso. Um modelo a seguir”, descreve Darín. “Eu adoraria pensar que há uma parte de mim que ressoa com o personagem, mas, honestamente, sinto inveja dele — ele tem uma coragem e uma ousadia que eu não tenho”, ite o ator.

Interpretar o protagonista de uma história emblemática de ficção científica teve seus desafios, diz Darín, incluindo “estar à altura das exigências desta nova versão e do nosso diretor”. Ele enfatiza que "O Eternauta", da Netflix, é uma adaptação livre e original da obra de Oesterheld e Solano López, o que lhe permitiu construir o personagem sem se sentir limitado pela lenda. “Acho que conseguimos”, diz ele. "No final, foi uma experiência colossal". 


Números

Com uma produção inédita na Argentina, a criação da série 'O Eternauta' contou com:

  • 2 anos de desenvolvimento e redação de roteiros
  • 4 meses e meio de pré-produção
  • 148 dias de filmagem em Buenos Aires
  • 1,5 ano de pós-produção
  • 2.900 atores, entre elenco e figurantes
  • Mais de 50 locações, 30 cenários virtuais e 500 máscaras para os personagens da série


    Serviço

    Série: "O Eternauta"
    Onde assistir: Netflix
    Quando: estreia na quarta-feira, dia 30 de abril
    Quantos episódios: seis