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Era do Pix registra salto de 200% em golpes virtuais em Minas Gerais
Crescimento de estelionatos por meio virtual coincide justamente com data da criação do Pix e seu crescimento como principal meio de pagamento no Brasil
Smartphone na mão, poucos cliques, dinheiro na conta do destinatário. Desde que o Pix chegou, fazer transações como pagamentos de contas ou transferências bancárias se tornou algo muito mais rápido e prático. Por ser gratuito e instantâneo, o Pix facilitou a vida de muitos brasileiros e se tornou a principal forma de pagamento da atualidade no Brasil. Mas, pelos mesmos motivos, a modalidade também facilitou a vida dos golpistas.
Para se ter uma ideia, só no ano ado, golpes virtuais por meio do Pix causaram R$ 4,9 bilhões de prejuízos - 70% a mais que em 2023, segundo informações do próprio Banco Central. Um levantamento do Instituto DataSenado estima que golpes digitais no geral já vitimaram 24% dos brasileiros. São mais de 40,85 milhões de pessoas que perderam dinheiro em função de algum crime cibernético, como clonagem de cartão, fraude na internet ou invasão de contas bancárias.
Em Minas Gerais, dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que, entre 2019 e 2020, o número de estelionatos praticados em ambiente virtual mais que dobrou - foram 8.563 em 2019 e 18.931 em 2020. Se comparar o período entre 2020 e 2024, que registrou 56.480 estelionatos por meio virtual, foram quase 200% de aumento. Não é possível mensurar, desses crimes, quantos envolveram transações via Pix. No entanto, os períodos coincidem justamente com a “era do Pix”.
Para se ter uma ideia, o Pix foi criado em 5 de outubro de 2020 e cresceu de forma exponencial desde então. Até 30 de abril, segundo dados do Banco Central, havia 851 milhões de chaves Pix cadastradas. Segundo levantamento da Febraban, o Pix encerrou 2024 com 63,8 bilhões de transações, um crescimento de 52% em relação a 2023, sendo hoje o meio de pagamento mais usado no país. A título de comparação, transações por cartão de crédito, débito, boleto, TED, cartão pré-pago e cheques, juntas, totalizaram 50,8 bilhões no ano ado.
Segundo o Banco Central (BC), o número de fraudes envolvendo o Pix vem se mantendo relativamente estável proporcionalmente ao volume de transações. Em 2022, foram 7 fraudes a cada 100 mil transações; em 2023, foram 6; e em 2024, foram 8. Neste ano, de janeiro a março, foram 7 fraudes a cada 100 mil transações. Na prática, isso representa um percentual de 0,008% de fraudes em relação ao volume total de transações com Pix. Mas, considerando o volume de transações informado pela Febraban, isso indica que, no ano ado, foram ao menos 5,1 milhões de operações fraudulentas - ou 9,8 fraudes a cada minuto.
Pagamento rápido facilita o golpe
“O Pix, pelo fato de ser um meio de pagamento rápido, que ocorre geralmente em 7 segundos, e que acontece todos os dias da semana, faz com que a maioria das pessoas faça um pagamento rápido, muitas vezes movido pela emoção. Então, as pessoas recebem ali uma ligação, uma promessa, não checam quem é o destinatário, e isso facilita o golpe”, comenta o professor da FGV e doutor em Direito Comercial, Thiago Amaral.
Thiago também pontua que existe uma certa dificuldade em reaver os valores perdidos quando se trata de Pix. “Porque o cartão de crédito, por exemplo, você já tem um mecanismo de cancelamento que já é mais antigo e mais difundido. Agora, com o Pix, você também tem essa possibilidade de estorno de valores. A questão é: o Banco Central tem aprimorado o sistema, só que isso vem com uma velocidade que talvez não acompanhe os golpes”, diz.
E, realmente, recuperar o dinheiro parece ser uma tarefa difícil. Conforme dados do próprio Banco Central, de 5 milhões de pedidos de devolução feitos por meio do Mecanismo Especial de Devolução (MED), o fiscalizador aceitou apenas 1,56 milhão. Os que foram recusados têm como justificativa contas encerradas ou sem saldo. Uma prática comum dos golpistas é mudar o dinheiro da conta assim que ele cai, o que dificulta o rastreio. No total, já foram quase R$ 5 bilhões em transações de fraude que ficaram sem estorno.
Aliás, o próprio MED tem sido usado por golpistas. “É um golpe exclusivo do Pix, né? A pessoa faz um Pix e depois aciona o MED de forma indevida, pedindo o valor de volta”, cita o professor, lembrando, por exemplo, do golpe do Pix. Nessa modalidade, o golpista envia um Pix, depois entra em contato com a vítima, alega que mandou o dinheiro na conta errada e pede a devolução, preferencialmente para uma outra conta. Depois, ele pede o estorno alegando fraude. A vítima faz o novo Pix e ainda tem um estorno do valor na conta.
“O grande problema é que o Banco Central tem avançado nas medidas de segurança, mas não na mesma velocidade que os golpistas. E é um processo burocrático, porque você tem que mudar o regulamento do Pix, as instituições precisam alterar o sistema, não é tão simples”, pontua. “O grande problema é que os consumidores não verificam quem é, de fato, o destinatário do pagamento. Essa é a maior cautela, você verificar quem é o destinatário”, alerta.
De acordo com o BC, a instituição está trabalhando no aprimoramento do mecanismo de devolução, o MED 2.0. Haverá possibilidade de rastreamento e recuperação de valores de contas que recebem recursos da conta originalmente utilizada para a fraude, restringindo o uso de triangulação de valores pelos fraudadores, ou seja, o rápido envio de recursos para outras contas, após a efetivação de um golpe. A funcionalidade está em desenvolvimento, e deve ser lançada em fevereiro de 2026.
Além disso, conforme o BC, as instituições financeiras têm responsabilidade quanto à segurança de suas operações. “O regulamento do Pix prevê diversas medidas que mitigam o risco de fraudes, como, por exemplo, a previsão de que os participantes do Pix (instituições financeiras e de pagamento que ofertam o Pix a seus clientes) devem se responsabilizar por fraudes no âmbito do Pix decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos”, diz o BC.
Criminosos aproveitam distração e fragilidade das vítimas para efetivar o golpe
Mas as artimanhas para efetivar os golpes são variadas e conseguem alcançar muitas vítimas. Muitas vezes, o golpista aproveita de um momento de fragilidade e de distração da vítima, ou oferece algo muito “tentador”, para que a pessoa caia mentira sem perceber. E foi com uma oferta “exclusiva” que Cláudia*, de 54 anos, acabou dando mais de R$ 8.500 para o golpista. O prejuízo, no entanto, pode ser muito maior.
Ela conta que tinha empréstimo bancário que estava acabando de pagar, por meio da aposentadoria, e recebeu um comunicado via WhatsApp, com um contrato que dizia ser de uma instituição financeira de nome sólido no mercado, falando do empréstimo e que eles estavam comprando a dívida, oferecendo juros menores e alegando que a prestação iria cair. “Gostei, né? Fui dando corda, as pessoas foram se identificando, uma hora era o gerente, outra hora o funcionário que falava comigo, tudo pelo WhatsApp”, conta. “Para não configurar empréstimo, eles iam mandar um valor para a minha conta, que seria referente à quitação da dívida, e eu deveria devolver o valor, foi aí que eu dei bobeira”, diz.
Cláudia diz que chegou a receber, inclusive, um link do banco, o que a fez acreditar que se tratava de uma oferta real. Ela enviou documentos e fez reconhecimento facial. No fim, percebeu que, na verdade, ela estava contraindo um novo empréstimo. O dinheiro que caiu na conta era o empréstimo. “Eu fiz um Pix de 2.000, depois ainda precisei ir até o banco aumentar o limite de transação para conseguir enviar o restante por TED”, lembra.
No fim, ela ficou sem o dinheiro na conta e ainda com uma nova prestação de empréstimo, que, com os juros, pode chegar a um valor muito maior. “Eu não tinha percebido que era golpe, até chegar o salário e perceber que, além de não diminuir o desconto, aumentou mais ainda. Eles usaram toda a minha margem, acabaram com meu score”, diz. Agora ela vai registrar um boletim de ocorrência e já procurou um advogado para ajudá-la com o caso. “Isso mostra a fragilidade do banco, a empresa agia como se fosse um correspondente bancário.”
Já Maria*, num momento de fragilidade, foi fisgada por uma proposta de empréstimo para negativado. Ela e o marido haviam acabado de enfrentar uma falência e estavam sem dinheiro. Ela conta que, após ver anúncios no Instagram oferecendo empréstimos para negativados, entrou em contato. Em conversa com os golpistas, que se avam por uma financeira conhecida no mercado, eles disseram que era necessário pagar uma “entrada”, uma espécie de seguro, para liberar o crédito. “Eles chegaram a gravar áudio com barulhos no fundo como se fosse uma empresa comum”, conta Maria, lembrando que os golpistas foram muito convincentes.
“Não perdi muito, mas era o que tinha para sobreviver no mês, foi o que me levou ao desespero. Foram 1.114 reais e alguns centavos. Lembro que tinha 1.200 reais na conta, e lá se foi a esperança do empréstimo que me ajudaria a organizar minha vida naquele mês. Olhando hoje, assinei papéis, escanei e enviei tudo para eles. Oro até hoje para nunca usarem minhas informações”, diz.
“Foi uma loucura silenciosa. Tentei fazer para resolver o problema e criei outro. Um mix de vergonha e desespero”, desabafa. Maria revela que já ava por uma fase muito difícil da vida, e esse episódio contribuiu para piorar mais ainda a situação. Ela enfrentou uma depressão fortíssima, com pensamentos suicidas, e levou muito tempo para se recuperar. “Eu venci essa batalha, mas eu e meu marido falimos, perdemos tudo, tivemos que morar de favor na casa da minha mãe”, revela. “Em meio à falência, perdendo tudo, perder mais uma coisa, no caso, o único dinheiro que tinha, me fez cair num buraco horroroso.”
Falso WhatsApp
Já Marta*, de 61 anos, caiu em outra modalidade de golpe: o falso WhatsApp. Ela recebeu uma mensagem de uma pessoa que se ava por seu filho, dizendo que mudou de número de telefone porque estava com problema na operadora. “Por coincidência, meu dia tinha sido bem corrido. Eu adicionei o número com o nome do meu filho. No dia seguinte, ele ligou e antes que eu conseguisse atender, desligou. Dessa forma, fui induzida a acreditar que estava falando com meu filho”, conta.
Na hora do almoço, o golpista entrou em ação e enviou uma mensagem pedindo dinheiro para pagar um boleto antes de meio-dia e que ele “estava sem tempo”. “Embora ele nunca tenha pedido pra fazer pagamento pra ele, acreditei. Assim que fiz o Pix, ele pediu que fizesse uma complementação. Quando isso aconteceu, percebi que era um golpe. Minha ficha caiu”, relata.
Foram perdidos R$ 930. O banco não conseguiu estornar o valor. Marta conta que, ado o episódio, o golpe virou motivo de piada entre os filhos. “Meu filho mais velho é quem, às vezes, pedia para antecipar algum valor, e nunca o mais novo. Então, a piada é que o bandido usou a foto do certinho e eu não fiz pergunta para saber do que se tratava”, conta.
“O pior é que entrei no cheque especial porque não tinha este valor sobrando. A ligação foi perto do horário de almoço, num momento em que a gente também está correndo para terminar o preparo. Naquele dia, eu estava com faxineira em casa”, contextualiza. Hoje, Marta diz que ficou mais esperta com os golpistas e dá a dica: “com a experiência adquirida, sugiro confirmar fazendo contato por telefone. É preciso mais elementos fáticos. Não salve o contato só pela foto. Desconfie de urgências. No meio digital, sempre tem que ter um pé atrás”, sugere.
*Nome fictício. As personagens não quiseram se identificar.
Golpe do falso comprovante foi atualizado depois do Pix
A chegada do Pix também ajudou a atualizar um golpe antigo, praticado contra prestadores de serviços - o golpe do falso depósito bancário. Geralmente, o golpista fazia o depósito em caixa eletrônico e enviava o comprovante para o prestador de serviço. Porém, o envelope estava vazio, e o valor nunca caía na conta. Agora, com o Pix, golpistas usam da ferramenta de Pix agendado e enviam o comprovante para o prestador de serviço, que acaba acreditando e não conferindo a conta bancária.
Esse golpe já foi aplicado mais de uma vez contra a Yanndra Lanna, de 35 anos. A sexóloga e criadora de conteúdo +18 online tem o Pix como principal forma de pagamento dos seus clientes. Ela já ou por diversas situações em que a pessoa enviou o suposto comprovante, exigiu o conteúdo e ela foi obrigada entregar, mesmo que o dinheiro não tivesse caído, de fato, na conta. “Eles agendam o Pix para amanhã e te mandam o comprovante como se tivessem feito hoje”, diz.
Yanndra já recebeu comprovantes falsos também, além de prints da página de confirmação do app do banco como se fossem comprovantes (aquela página em que o cliente confirma os dados antes de fazer o Pix). Em muitos casos, ela chegou a confrontar os clientes, mas eles invertiam a situação dizendo que era ela que não queria entregar o serviço que ele contratou. “Um dia, eu estava na academia, o cara mandou o comprovante, eu olhei os dados, estava tudo certo, nome completo, F, valor, só que eu olhei na conta e não tinha caído ainda. Aí falei com ele, mas ele começou a xingar e brigar, e eu acabei enviando”, lembra. “Ele mandou para mim um print da página de confirmação, ele não tinha feito o Pix.”
Em uma das situações, Yanndra foi vítima de um golpe que usou a própria ferramenta de devolução do Banco Central, o MED. “Eu tenho um grupo vip no Telegram e vendo s. Eles pagam as s para ver fotos e vídeos. O cara fez o Pix para entrar no grupo, mandou comprovante, eu olhei, o dinheiro caiu na minha conta. No outro dia de manhã, o dinheiro foi retirado. Ele havia alegado ao banco que era estelionato”, conta Yanndra. “Minha conta foi bloqueada. A única coisa que o banco fez foi desbloquear minha conta, mas não me devolveu o dinheiro. Depois, todo mundo que ia fazer Pix para mim recebia uma notificação falando sobre o risco de estelionato. Eu tive que mudar a conta.”