JUROS

Copom deve aumentar Selic hoje; tensão entre governo e mercado ganha novo capítulo  4f81g

Boletim Focus aponta para uma alta de 0,75 ponto percentual, medida contrária ao entendimento do governo 36352x

Por Simon Nascimento
Publicado em 11 de dezembro de 2024 | 06:00
 
 
Durante o ano, Lula e Haddad têm rebatido críticas do mercado e lamentado as altas na Selic Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deve aumentar em 0,75 ponto percentual a Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira, elevando o índice a 12% nesta quarta-feira (11). O valor foi projetado no boletim Focus, por analistas de mercado, às vésperas da última reunião do órgão sob a presidência de Roberto Campos Neto. O último reajuste promovido foi em novembro, quando houve elevação para 11,25%

A previsão de mais um aumento de juros, que deve se concretizar no final do dia, ocorre em um dos momentos de maior tensão entre governo e mercado desde janeiro de 2023. Enquanto o PIB cresce acima das expectativas e o país registra bons indicadores econômicos, como aumento da massa salarial e taxas de desemprego e nível de pobreza nos valores mais baixos desde 2012, o dólar tem batido recordes consecutivos e chegou a R$ 6,08 na última segunda-feira

A variação na taxa de câmbio exemplificou o descontentamento de agentes financeiros com a política econômica do governo Lula (PT) e ocorreu principalmente após o anúncio de um pacote de corte de gastos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O arcabouço prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões até 2026 e R$ 327 bilhões até 2030, com alterações na política de valorização do salário mínimo e em alguns programas sociais importantes para o governo. 

Como parte das medidas, o governo federal também anunciou a isenção do Imposto de Renda (IR) para trabalhadores com salários de até R$ 5 mil. Para compensar a renúncia, estimada em R$ 50 bilhões por ano, o governo quer a taxação de lucros e dividendos superiores a R$ 50 mil por mês, hoje isentos no Brasil. As medidas dependem de aprovação no Congresso Nacional. Entretanto, até lá, a economista e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni vê um cenário indefinido e não acredita em um arrefecimento da tensão entre governo e mercado. 

A docente afirmou que os indicadores apontam para um conforto macroeconômico no Brasil e um cumprimento de propostas de campanha do petista para a redução da desigualdade social. “Eu não me lembro de ter visto um descasamento de realidade tão profundo como o que estamos vivendo agora. E eu vou usar justamente esse termo: descasamento de realidade, porque, macroeconomicamente, o país está muito bem, obrigado. Estamos conseguindo resultados importantíssimos: a inflação está controlada, e não temos nenhuma possibilidade de surto inflacionário”, analisou Beni.

A economista afirmou que percebe questões ideológicas nas negativas do mercado ao governo. Uma das principais queixas dos agentes financeiros é o aumento de gastos no governo petista. Segundo o IBGE, o crescimento foi de 1,3% em novembro deste ano, em comparação ao mesmo período do ano ado. No entanto, de acordo com a professora da FGV, a variação está relacionada ao pagamento de R$ 94 bilhões em precatórios herdados do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“O mercado não está preocupado com as pessoas na fila do osso, ando fome. Ele quer saber como será feita a correção do salário mínimo do trabalhador e, se necessário, quer um corte também. Há uma obsessão com a questão fiscal — e isso não significa que ela não seja importante. É importante, mas não há desequilíbrio fiscal nem gastança. Há um fundo ideológico muito forte, agora ainda mais acentuado com a reforma tributária”, criticou.

Dívida pública 1k5n6o

Com outra visão, Diego Faust, sócio da Manchester Investimentos, citou que há no mercado uma preocupação com o crescimento da relação entre o valor da dívida pública e o PIB. Em outubro, as despesas do governo atingiram 78,5% do PIB. Até o final do ano, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal projeta um crescimento com o índice chegando a 80%. 

No ano ado, o PIB cresceu 2,9% e somou R$ 10,9 trilhões. Para 2024, as previsões apontam para uma alta acima de 3%. “Quando a gente olha para o PIB crescendo e para outros índices como por exemplo o índice de eficiência da hora trabalhada no Brasil caindo, atividade industrial caindo agora nesse último trimestre, a gente vê alguns indicadores conflitantes com o PIB crescendo. Em grande parte, esse crescimento do PIB é dado por gastos do governo. À medida que a gente tem então um PIB crescendo, não por conta da base produtiva do país, isso gera uma pressão inflacionária a longo prazo”, analisou. 

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O sócio da Manchester Investimentos, Diego Faust, reforçou que o anúncio do corte de gastos ficou aquém do esperado e demonstrou falta de compromisso do governo com a pauta fiscal. Para o mercado, ele avaliou, há um sentimento de que o futuro está completamente desalinhado com o desejado. “O Executivo teve uma oportunidade imensa de dar uma sinalização clara do que seria feito e essa sinalização não veio de maneira clara, não veio de maneira uníssona, veio de maneira atabalhoada”, analisou. 

Faust também criticou a inclusão da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil no arcabouço e afirmou que a elevação da Selic, entre 0,75 e 1 ponto percentual, representaria a manutenção de uma atuação técnica do Banco Central. “Se esse anúncio, por exemplo, vem uníssono ali no colegiado, com todos os diretores indicados pelo governo Lula, como o próprio Gabriel Galípolo (próximo presidente do BC) e todos concordando com isso, é uma sinalização de que essa atuação mais técnica do Banco Central vai continuar e aí você tem, de fato, pelo menos um alívio. 

A economista Carla Beni, todavia, alertou para um cálculo de um prejuízo ao Tesouro Nacional de R$ 50 bilhões caso a Selic suba 1 ponto percentual. “Não existe corte financeiro e de orçamento que se consiga fazer pra tirar esses R$ 50 bilhões. No ano ado, 46% do orçamento, desembolso de caixa, foi direcionado para pagar juros e amortização da dívidas”, indicou Beni. A docente também criticou o Banco Central, instituição que, a partir de janeiro, terá Gabriel Galípolo, indicado por Lula, na presidência. 

“O Banco Central precisa escutar menos o mercado financeiro, porque a economia está sim indo bem. Lógico que ainda temos muito o que fazer, os preços de alimentos, por exemplo, estão em patamar muito acima do que estava antes da pandemia”, finalizou.