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Paulo Navarro

Colunista social que retrata personalidades e eventos da sociedade belo-horizontina e mineira

OPINIÃO

Sinal Amarelo

Entrevista com Danielle Miranda

Por Paulo Navarro
Publicado em 19 de maio de 2025 | 03:00

“Adolescência” é uma minissérie de grande sucesso da Netflix, muito elogiada, polêmica e que assustou os telespectadores, em especial, pais, mães. Na trama, um assassinato brutal na Inglaterra em que o principal suspeito é um jovem de 13 anos - o ótimo e promissor Owen Cooper. Palmas para a estrela e o criador da série, gravada em apenas "uma tomada", Stephen Graham. Há muito tempo, sinal dos tempos, não se “brinca” mais com os “aborrecentes”.

Eles vivem uma fase entre a infância e a vida adulta, mistura que pode ser explosiva. Por isso, nossa convidada de hoje é Danielle Miranda, que entende do assunto, tentou e conseguiu ir além da Netflix. Primeiro, ela explica sua profissão, aos poucos, vai destrinchando o tema, sem drama e, principalmente, sem assustar pais e mães que nem imaginavam o que um jovem de 13 anos é capaz de fazer e cometer. No entanto, neste nem tão irável mundo novo, a educação não é mais a mesma, muito menos o comportamento dos adolescentes, vítimas de uma novidade chamada “bullying”, que, em casos extremos, no mundo inteiro, pode levar as vítimas ao suicídio. Segundo Danielle, esta prática sádica e cruel entre crianças e adolescentes, “para variar”, pode ser evitada “com informação, atitude, firmeza e escuta”. Tomara!  

Mesmo porque os monstros são muitos e nossos jovens – adultos também – praticamente dormem e convivem com o inimigo: a tecnologia que nascida, aparente e naturalmente, para aproximar, informar, formar, socializar e sociabilizar, fazem o contrário. Está na hora de celulares, por exemplo, serem vendidos com aquela advertência aos consumidores de álcool: “use com moderação”. Isso para não chegarmos aos textos que acompanham os cigarros: “Este produto causa câncer”. Mata! 

 

Danielle, o que faz uma psicóloga Clínica e Orientadora Parental, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental - TCC?


São duas coisas distintas. Enquanto especialista em TCC, atuo de forma a identificar e modificar padrões de comportamento e pensamentos, que chamamos de disfuncionais. É uma abordagem baseada em evidências científicas. Enquanto orientadora parental, eu busco auxiliar os pais/responsáveis a exercerem uma parentalidade saudável, consciente, e intencional na criação e condução de seus filhos.


A criança será como os pais? Devem fugir ou perseguir este destino?

O ambiente sim influencia  no comportamento da criança, mas ele não é imperativo. Enquanto crianças; fica muito difícil, para elas, perceberem essa influência. Quem se preocupa com isso somos nós, pais. Assim, cabe a nós orientá-las, e procurarmos fornecer uma ambiente saudável.


O que achou da polêmica, assustadora e elogiada série, “Adolescência”, na Netflix?

A série é muito boa, toca em pontos delicados do período da adolescência, como a comunicação por exemplo. Nos desperta para a busca de uma conexão intencional com nossos adolescentes. Estamos tão "engolidos" pelo dia a dia, e por achar "normal" que nossos adolescentes fiquem dentro de seus quartos, que não nos preocupamos, ou procuramos nos relacionar com eles. Entrar no mundo adolescente, ter empatia e trazer conversas mostrando como éramos nessa época traz conexão à relação, saímos do lugar de quem tudo sabe e nos igualamos à eles, isso é muito rico!

Por que é uma fase da vida tão complicada? Existe adolescente “normal”?

Não é uma fase complicada! Pode ser desafiadora! Mas também cheia de carinho, atenção e comprometimento. Basta que nos recordemos de como éramos, buscar nessas lembranças o que era sofrido, o que era feliz, lembrar que estamos no final da infância dos nossos filhos, preparando-os para a vida adulta, isso é muito valioso! Toda adolescência é normal, até que se prove o contrário (risos)! Levar a vida com mais leveza é fundamental, buscar conexão emocional, eu diria que é o ponto chave!

Qual o papel dos pais diante o crescimento, o amadurecimento dos filhos?

O papel dos pais é o de orientadores. Buscando meios e estratégias para nos aproximarmos dos nossos filhos de forma genuína, com empatia e afeto. Compreender os papéis de cada um dentro do núcleo familiar e executá-los é vital para o bom funcionamento desse sistema. Colocar limites, trazendo o adolescente para dentro da discussão, participando da elaboração das regras de convivência dessa família. 

 

Em suma, respeito e atenção.

Quando eles participam da elaboração das regras, a adesão a elas acontece de forma mais natural, comparando-se com às regras impostas.


E sobre o grande aumento de doenças mentais apontados por estatísticas?

Hoje em dia as pessoas estão mais conscientes de si, e valorizando mais os aspectos emocionais da vida humana. Não entendo como um aumento, mas como conscientização. A saúde, de modo geral, tem sido mais valorizada, entrando aí também, a saúde mental.


Por que as crianças estão mais “violentas” em casa e nas escolas, desafiando e até ameaçando pais e professores?


Pode parecer um tanto arcaico dizer isso, mas faltam limites. Falta clareza aos papéis desempenhados, falta diálogo, comunicação efetiva e assertiva, falta intencionalidade nas ações. Saber como, quando e onde usar determinadas ferramentas.

 
A que se deve esta "tragédia silenciosa”, doença e violência, apontada por especialistas?

Em se tratando do ser humano; muito difícil apontar uma causa específica. Mas eu poderia apostar na velocidade de informações disponíveis, na falta de qualidade delas, e no papel que as redes sociais  alcançaram na vida dos adolescentes.


Quais os limites/regras que os pais podem estabelecer junto com os filhos para uma educação sadia?

Penso que a primeira coisa são as definições dos papéis dentro da família. Quem são os adultos e seus papéis (cuidar, zelar, ensinar, orientar, participar, buscar pontos de conexão em comum com os filhos, exercitar a escuta e o acolhimento), os filhos (aprender com as experiências dos pais, participarem da elaboração das regras de convivência dessa família, entender que para além de seu crescimento e desenvolvimento, existem pais preocupados com seu bem-estar e felicidade).

A escola seria o primeiro reflexo da alteração de comportamento dos filhos?

Eu não diria o primeiro para não generalizar, mas é sem dúvidas, o mais importante.


Por que no convívio familiar transtornos psíquicos são percebidos ou vêm à tona em primeiro lugar?


Falando em transtornos psíquicos, levamos em consideração as heranças genéticas e o meio social. Partindo do pressuposto que nosso primeiro círculo social é a família, fica fácil entender porque ele se destaca nesse meio.


Como trabalhar as relações sociais dos filhos?

Se envolvendo! Procurando saber quem são os amigos, trazendo-os para perto. Seja o pai/mãe, que convida os amigos dos filhos para sua casa, que leva e busca nos encontros, se interesse genuinamente. Não tem como criar vínculo sem demandar tempo e relacionamento.


Qual o impacto do uso excessivo de celulares e similares?

Desconexão, superficialidade, irritação, falta de empatia e a lista vai só crescendo... Por mais que muitas coisas tenham migrado para o digital, o contato direto ainda é o melhor e mais valorizado. Não tem como se falar em inteligência emocional, por exemplo, hoje tão em voga e valorizada, sem falarmos em empatia, afeto, apego.


A questão do “bullying” em escolas é cada vez mais séria. Como lidar com a questão? Ele pode ser físico, verbal e/ou psicológico?


Com informação, atitude, firmeza e escuta. Sim, pode acontecer nesses três âmbitos, e em todos eles a maneira como será conduzida a questão é que trará o desfecho desejado.