FRAUDE

MP e Polícia Civil do DF receberam denúncias de fraudes no INSS cinco anos antes de operação da PF 594745

Empresário e aposentados relataram cobranças indevidas e até denúncias de pagamentos de propinas por entidades a diretores do INSS  y1z26

Por O TEMPO Brasília
Publicado em 16 de maio de 2025 | 09:57
 
 
Movimentação em agência do INSS em Belo Horizonte (MG): PF apura fraudes supostamente cometidas por várias entidades associativas e que podem ter chegado a R$ 6,3 bilhões em todo o país Foto: Alex de Jesus/O Tempo

BRASÍLIA – Ao menos cinco anos antes de o escândalo bilionário de desconto irregular em contracheques de aposentados e pensionistas vir à tona com operação da Polícia Federal (PF), a Polícia Civil e o Ministério Público do Distrito Federal registraram queixas sobre a ilegalidade.

Os órgãos da capital receberam em 2020 e em 2021 denúncias envolvendo inclusive pagamento de propinas a diretores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Casos relatados foram ignorados pelo comando do INSS nesse período, segundo os órgãos do DF. 

Os procedimentos abertos pela Polícia Civil e pelo MP foram enviados à PF, que em 23 de abril último deflagrou a Operação Sem Desconto para apurar fraudes supostamente cometidas por várias entidades associativas e que podem ter chegado a R$ 6,3 bilhões em todo o país.

Empresário delatou dirigente de entidade  3vo17

Antes disso, o MP do DF mandou ofício à presidência do INSS, em 2021, questionando cobranças de aposentados da zona rural. Já um empresário delatou à Polícia Civil, em junho de 2021, que ouviu do presidente de uma entidade suspeita de fraudar aposentadorias.

Bruno Deitos contou que sua empresa, Premier, foi subcontratada por outra, a Target, que tinha contrato com a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer) para atualizar cadastros de associados.

Esses cadastros seriam fraudados para justificar descontos em pagamentos do INSS sem autorização dos aposentados e pensionistas. Deitos contou, em depoimento, ter ouvido que de um dirigente da Conafer que tinha “domínio sobre diretores do INSS”, aos quais pagaria propina.

A TV Globo divulgou trecho de depoimento do empresário. A Conafer foi a entidade que mais aumentou o volume de descontos de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2024. Saltou de R$ 400 mil por ano, em 2019, para R$ 57 milhões, em 2020, e chegou a R$ 202 milhões em 2023, segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU).

“O presidente da Conafer, Carlos [Roberto Lopes], comentou em uma reunião da qual o declarante [Deitos] participou [...] que tinha domínio sobre os diretores do INSS, mas não especificou quais diretores seriam. Que o domínio que o presidente da Conafer mencionou seria ree de vantagens financeiras para tais diretores, a fim de alterar dados do sistema do INSS, bem como fornecer informações relativas a aposentados e pensionistas”, afirmou o empresário.

O empresário prestou dois depoimentos na Delegacia de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, em 10 e 11 de junho de 2021. Na primeira ocasião, contou como seria a adulteração das fichas com s dos aposentados, para justificar os pagamentos supostamente indevidos.

“A Conafer enviaria para a Premier a base de dados dos associados das regiões: DF, GO, BA, MG, MT, MS; de posse dessa listagem a Premier deveria recrutar promotores de pesquisa que iriam pessoalmente nos endereços fornecidos pela Conafer para colherem s dos associados em formulários de exclusão do desconto de mensalidade, associação, e relatório de ausência ou mudança de endereço”, disse.

“O próprio RANDEL [dono da empresa Target], certa vez, em uma das reuniões realizadas entre ele e o declarante, após prestar os serviços, falou que o que interessava era simplesmente o quadro de s, pois ele contrataria uma empresa especializada em alteração de documentos em PDF que transformaria os referidos formulários em formulários de adesão”, relata documento da Civil divulgado pela Globo.

O empresário disse no depoimento que coletou s de 28,7 mil associados, e que foi à polícia porque não recebeu todo o valor combinado pelo serviço — R$ 742,5 mil. Quando procurou a Conafer para reclamar, afirmou ter sofrido ameaças.

Direção do INSS ignorou pedidos do MP do DF 65gi

Paralelamente, promotores de Justiça do DF fizeram duas reuniões com o então presidente do INSS, Leonardo Rolim. Participaram dos encontros dois servidores. Entre eles, o então procurador-geral do INSS Virgílio Ribeiro, que acabou afastado do cargo no mês ado.

Nas reuniões, os promotores cobram da direção do INSS uma auditoria, modificações no sistema de convênios de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) e a identificação de servidores envolvidos. O MP também enviou ofício pedindo a resolução. Não houve, porém, resposta da autarquia.

A investigação começou com denúncias de dois aposentados que perceberam descontos na folha de pagamento. Os valores, R$ 43 mensais, aparecem designados como “Contribuição Conafer”. A partir de então, os investigadores do DF colheram depoimentos de demais idosos e analisaram a movimentação financeira da associação.

A Polícia Civil e o MP pediram autorização da Justiça do Distrito Federal para uma operação ainda em 2020 contra o então presidente do INSS e contra a Conafer. O pedido, no entanto, foi negado pelo juiz Osvaldo Tovani.

O magistrado entendeu que o caso deveria ir para instância superior e enviou para o Ministério Público Federal e Justiça Federal, com investigação da PF. As informações colhidas pela Polícia Civil e o MP do DF subsidiaram a Operação Sem Desconto.

Ministro da Previdência diz que ‘ladrão entrou na casa’ de 2019 a 2022 441k3k

Na quinta-feira (15), o ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, afirmou que o “ladrão entrou na casa” e ampliou a fraude no INSS entre 2019 e 2022, em meio a uma discussão sobre a revalidação de autorizações para descontos por entidades associativas.  

O período citado é o do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com a PF, o rombo começou em 2019 e foi interrompido somente na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).  

Segundo Wolney, o Congresso Nacional se movimentou, de 2019 a 2022, para estabelecer regras e revalidar as autorizações para descontos em folha de pagamento. O procedimento foi considerado após recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) por denúncias de irregularidades. 

Segundo o ministro, a proposta, na época, previa uma revalidação anual das empresas que tinham contrato com INSS para a operação de descontos. Ele falou em audiência na Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle do Senado. 

“O que significa isso? Que, em cada empresa que tinha os seus associados, esses associados precisavam renovar essa autorização anualmente. Isso impediria - naquele momento era o que se buscava - que houvesse esses descontos de forma permanente, ou seja, que alguém tivesse autorizado desconto por um ano e asse dez anos sendo descontado”, explicou.

Wolney contou que no Congresso Nacional, a discussão consolidou a revalidação a cada três anos, e não anualmente, com início em 2021. Mas, com a pandemia de Covid-19, o procedimento foi adiado para 2022 – a partir de uma emenda assinada por ele no Congresso.

“Havia o distanciamento social e não era razoável que se fizesse uma revalidação em que os beneficiários, pessoas acima dos 60 anos em sua maioria, buscassem as associações e se deslocassem. Foi por essa razão que o Conselho Nacional de Previdência, em 2021, recomendou que fosse feita a dilação de prazo, para a vigência a partir de 2022, quando já teria vacina e outro ambiente em que não mais haveria necessidade do isolamento social”, alegou.

O ministro declarou que, depois, uma lei pôs fim ao instrumento de revalidação das autorizações para descontos. “O que vinha sendo gestado dentro do Congresso Nacional desde 2019, para que houvesse uma revalidação de cada um daqueles que autorizavam o desconto, foi sepultado em 2022”, disse.

“É exatamente neste momento, nesse interregno entre 2019 e 2022, que o ladrão entra na casa. Por que é que eu digo que o ladrão entra na casa? Porque o fim da revalidação e a expectativa anterior de que houvesse o procedimento fizeram com que cerca de 11 associações novas se credenciassem no INSS”, declarou.

O ministrou contou que, depois, investigações apontaram que essas empresas “eram 100% fraudulentas”. "A maior parte delas se estabeleceu nesse período. Elas alcançaram o credenciamento, que é o acordo de cooperação técnica com o INSS, e começaram a operar”, destacou. 

“Nesse momento era discutida no Congresso a revalidação anual. Quando, em 2022, se opta por pôr fim à revalidação, essas empresas se sentiram livres para, a partir de 2022, ou seja, em 2023 e 2024, ar uma enormidade de descontos não autorizados, que fizeram esse número subir exponencialmente em 2023 e 2024, o que nós só detectamos depois da operação no abril de 2025”, concluiu. 

O líder do PL no Senado, Rogério Marinho (RN), que foi secretário Especial de Previdência entre 2019 e 2020, rebateu a fala do ministro. De acordo com ele, no governo Bolsonaro, o número de associações e de descontos na folha do INSS decresceu. Marinho também declarou que a medida que debateu a revalidação foi proposta para ampliar o controle sobre as entidades.

Ainda na audiência no Senado, o ministro minimizou a fraude durante o governo Lula ao afirmar que a atual gestão foi a responsável de levar o caso à PF. Wolney também reforçou que os aposentados que tiveram descontos indevidos serão ressarcidos. 

O ministro assumiu no lugar de Carlos Lupi, que pediu demissão em abril após a divulgação da fraude bilionária no INSS. Antes, Wolney era o secretário-executivo do Ministério da Previdência Social. No colegiado, senadores da oposição chegaram a pedir que ele deixe o governo em meio às investigações.