CINEMA

Angelina Jolie dá vida à cantora lírica Maria Callas 34g4j

Filme tem do diretor chileno Pablo Larraín, que completa trilogia sobre mulheres famosas oprimidas t2t2c

Por Paulo Henrique Silva
Atualizado em 24 de outubro de 2024 | 12:22
 
 
Angelina Jolie encarna o seu personagem mais intenso no cinema Foto: DIAMOND/DIVULGAÇÃO

SÃO PAULO.  O chileno Pablo Larraín tem se especializado em cinebiografias de nomes famosos. Do lado masculino, já abordou personagens do próprio país, como Pablo Neruda e Augusto Pinochet. Quando suas câmeras apontam para as mulheres, o trabalho se expande para além de suas fronteiras, numa chave mais complexa e trágica. Foi assim com “Jackie” (2016), que mostra a primeira-dama do presidente americano John Kennedy, e “Spencer” (2022), sobre a princesa britânica Lady Di. E agora se repete com “Maria Callas”, em exibição na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A história sobre a soprano grega (nascida nos Estados Unidos) que dá título ao filme, uma das mais famosas cantoras líricas do mundo, recebe o mesmíssimo enfoque dado a Jackie Kennedy e Lady Di, impregnando a trama com uma atmosfera exaustivamente mórbida. “Jackie” tem início logo após o assassinado do presidente. Já “Spencer” traz a princesa num estado de profundo transtorno durante as festas de Natal com a família real, às voltas com alucinações sobre a própria morte. Na primeira cena  de “Maria Callas”, encontramos a artista desfalecida no chão de sua casa, em Paris.

Os filmes formam uma espécie de trilogia sobre mulheres oprimidas que pagam um preço muito alto pelo posto que ocupam. A casa onde Callas mora, em seus derradeiros momentos, não deixa de ser uma prisão, como a Casa Branca e o Palácio de Buckingham. Em determinada cena, ela constata que não a de um arinho preso na gaiola, sem conseguir voltar a cantar – situação provocada pelo amante Aristóteles Onassis, que, por sinal, foi marido de Jackie. Por causa dele, a cantora teve que interromper a sua carreira musical. A partir deste olhar, Larraín exibe, mais uma vez, uma mulher destroçada por dentro.

Todas as três, de certa maneira, não têm voz. No caso de Jackie e Lady Di, metaforicamente principalmente, já que são constantemente silenciadas por um poder masculino constituído. Ambas são mulheres-troféus para maridos que se permitem enganar traí-las com outras – “Maria Callas” fala do flerte de JFK com Marilyn Monroe. Com a soprano, a opressão se dá de outra maneira, a partir da força do dinheiro. O armador grego Onassis era um dos homens mais ricos e gostava de desfilar com mulheres que tinham beleza e status social para compensar a feiura e falta de polimento.

Larraín não se permite a meias-voltas , com seus filmes caminhando invariavelmente para um desfecho infeliz. Por ser Callas uma cantora de ópera, que é um gênero, geralmente, em que as situações são bastante acentuadas, ganhando tons até mesmo exacerbados de drama (não por acaso, tem sua origem nas tragédias gregas), o longa tem uma condução mais grandiloquente. O lado mais intimista dos trabalhos anteriores é substituído por uma atuação de Jolie sempre carregada, como se, a todo momento, a personagem estivesse sobre o palco, criando uma grande ficção para si própria.

Callas não era uma mulher fácil e o filme de Larraín não busca encontrar brechas que possam humanizar a protagonista. Mesmo quando os empregados dela se mostram solícitos e preocupados com o seu estado de saúde. A intenção do realizador chileno talvez seja mostrar que a prima-donna sucumbe sem itir a sua fragilidade, como estampa a cena final. Apesar de mergulhar nos delírios da personagem, “Maria Callas” continua tratando-a como uma esfinge, uma heroína das óperas, sem nos permitir uma aproximação.  Aqui, o diretor retira qualquer separação entre vida e obra.

(*) O repórter viajou a convite da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo