SÃO PAULO. O chileno Pablo Larraín tem se especializado em cinebiografias de nomes famosos. Do lado masculino, já abordou personagens do próprio país, como Pablo Neruda e Augusto Pinochet. Quando suas câmeras apontam para as mulheres, o trabalho se expande para além de suas fronteiras, numa chave mais complexa e trágica. Foi assim com “Jackie” (2016), que mostra a primeira-dama do presidente americano John Kennedy, e “Spencer” (2022), sobre a princesa britânica Lady Di. E agora se repete com “Maria Callas”, em exibição na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
A história sobre a soprano grega (nascida nos Estados Unidos) que dá título ao filme, uma das mais famosas cantoras líricas do mundo, recebe o mesmíssimo enfoque dado a Jackie Kennedy e Lady Di, impregnando a trama com uma atmosfera exaustivamente mórbida. “Jackie” tem início logo após o assassinado do presidente. Já “Spencer” traz a princesa num estado de profundo transtorno durante as festas de Natal com a família real, às voltas com alucinações sobre a própria morte. Na primeira cena de “Maria Callas”, encontramos a artista desfalecida no chão de sua casa, em Paris.
Os filmes formam uma espécie de trilogia sobre mulheres oprimidas que pagam um preço muito alto pelo posto que ocupam. A casa onde Callas mora, em seus derradeiros momentos, não deixa de ser uma prisão, como a Casa Branca e o Palácio de Buckingham. Em determinada cena, ela constata que não a de um arinho preso na gaiola, sem conseguir voltar a cantar – situação provocada pelo amante Aristóteles Onassis, que, por sinal, foi marido de Jackie. Por causa dele, a cantora teve que interromper a sua carreira musical. A partir deste olhar, Larraín exibe, mais uma vez, uma mulher destroçada por dentro.
Todas as três, de certa maneira, não têm voz. No caso de Jackie e Lady Di, metaforicamente principalmente, já que são constantemente silenciadas por um poder masculino constituído. Ambas são mulheres-troféus para maridos que se permitem enganar traí-las com outras – “Maria Callas” fala do flerte de JFK com Marilyn Monroe. Com a soprano, a opressão se dá de outra maneira, a partir da força do dinheiro. O armador grego Onassis era um dos homens mais ricos e gostava de desfilar com mulheres que tinham beleza e status social para compensar a feiura e falta de polimento.
Larraín não se permite a meias-voltas , com seus filmes caminhando invariavelmente para um desfecho infeliz. Por ser Callas uma cantora de ópera, que é um gênero, geralmente, em que as situações são bastante acentuadas, ganhando tons até mesmo exacerbados de drama (não por acaso, tem sua origem nas tragédias gregas), o longa tem uma condução mais grandiloquente. O lado mais intimista dos trabalhos anteriores é substituído por uma atuação de Jolie sempre carregada, como se, a todo momento, a personagem estivesse sobre o palco, criando uma grande ficção para si própria.
Callas não era uma mulher fácil e o filme de Larraín não busca encontrar brechas que possam humanizar a protagonista. Mesmo quando os empregados dela se mostram solícitos e preocupados com o seu estado de saúde. A intenção do realizador chileno talvez seja mostrar que a prima-donna sucumbe sem itir a sua fragilidade, como estampa a cena final. Apesar de mergulhar nos delírios da personagem, “Maria Callas” continua tratando-a como uma esfinge, uma heroína das óperas, sem nos permitir uma aproximação. Aqui, o diretor retira qualquer separação entre vida e obra.
(*) O repórter viajou a convite da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo